Ana Carvalho - Apenas voltamos pra casa
Ana Carvalho...
Como prometi, quero falar-te sobre minha visão sobre a Morte. Eu lamento profundamente sua dor, minha querida... E posso imaginar a dimensão do que sente... Eu já perdi muitas pessoas que amava muito... Com essa 'perda', compreendi que ninguém jamais pode ocupar um lugar que foi de outro. Quando se existe uma ligação com alguém que deixa este mundo, fica um vazio... Um lugar vazio que outra pessoa jamais poderá ocupar, pois ninguém é igual a ninguém! Nossa vida é como nosso coração: dentro dele tem lugar pra todos, mas há um espaço reservado para cada uma das pessoas de nossa vida. Esse lugar, sempre será daquela pessoa, independente dela estar conosco ou não.
Se há algo tão certo e inegável quanto o ar que respiramos, é a certeza de que a morte virá para todos sem distinção!
Seja rico, seja pobre, seja adulto, seja criança... Todos nós nascemos neste mundo e sabemos desde que aqui chegamos de que virá o dia que daqui partiremos. Não importa o quanto de recursos e riquezas se pode ter... Não importa a quantidade de virtudes que se possa possuir: está predestinado o dia da morte para cada um.
Para nós que cremos na existência da Alma, conseqüentemente acreditaremos que há uma vida após esta e um Deus. Não é o significado da palavra Alma em si, e muito menos algum condicionamento imposto por religião ou grupos: para mim, é resultado de minha intensa reflexão.
Não há como crer em Alma sem crer nas demais coisas que se relacionam a ela. E sabendo-se que somos imagem e semelhança de uma Fonte Criadora, a parte que é imagem e nos torna apenas semelhança devido ao corpo, é a Alma.
Nós todos viemos de algum lugar, e pra lá um dia tornaremos a ir. Aqui, é apenas uma de tantas passagens que fazemos. Aqui, é um longo caminho que obrigatoriamente temos que passar se queremos chegar aonde pretendemos.
Assim sendo, tudo o que faz parte desta realidade, composta de todos os elementos que aqui pertencem também. O corpo, não pode seguir para as outras dimensões, mas a Alma eterna pode. Quando chega o momento da Alma seguir, nada a pode segurar, e é então que o corpo morre.
Nosso corpo é apenas uma pequena prisão onde a Alma se abriga pelo tempo a ela predestinado, quando então as cadeias se abrem e a Alma pode ser livre. Esta prisão é feita do mesmo tipo de matéria existente neste mundo, e sendo assim, como tudo que há neste mundo, sucumbi.
Tudo aqui tem prazo de validade. Tudo no mundo tem seu tempo determinado para existir e deixar de existir... Para surgir e para se transformar. Assim é possível que o curso natural das coisas esteja em permanente fluxo... Assim é que todas as coisas cooperam para a existência de tudo...
Sentimos a dor da passagem de alguém, por sabermos a dor que causa a saudade. Sentimos a dor da perda, pois nosso lado egoísta que sempre crê que possui algo diz que algo se perdeu. Não choramos na verdade pela pessoa, mas por nós mesmos que somos privados de alguém que nos é tão especial.
Talvez, nada do que eu tenha lhe dito cause algum alívio ou conforto... Mas, acreditar assim ajudou-me a criar uma história para meu filho quando meu sogro fez a Grande Viagem. Ele era um grande homem, vivia sua vida pensando no benefício que poderia oferecer às pessoas que amava, era extremamente generoso e não julgava as pessoas que ajudava. Eu o considerava nosso anjo de guarda na terra.
Fazia já quinze anos que seu organismo desenvolvia silenciosamente um câncer que começou no pâncreas. Quando foi diagnosticado, ele já estava em fase terminal e tinha apenas mais três meses de vida. Nestes meses, assistimos a nossa 'torre forte' definhando e morrendo lentamente diante de nós.
Logo após as festas de fim de ano ele se foi. No velório, meu filho mais velho com ainda poucos anos de vida, chorava soluçando e nada parecia consolá-lo.
Eu me ajoelhei diante dele, tentando secar suas lágrimas, e contei-lhe a seguinte história:
" Este mundo é um jardim imenso repleto de flores de todos os tipos. Cada um de nós é uma flor que no tempo certo nasce, abre, mostra toda a sua beleza, e um dia seca. Vovô também era uma linda flor. E vovô era alguém tão especial, mas tão especial que era como uma jóia.
O Pai do céu viu lá de cima todas as dores e o sofrimento que vovô sentia. O Pai do céu não podia mudar aquilo, porque algumas coisas que fazemos a nós mesmos, um dia acabam nos fazendo tanto mal que não tem como resolver. Vovô era teimoso e não ia ao médico quando sentia dor... Ele escolheu assim, e o Pai do céu respeitou o que ele queria.
Então, o Pai do céu resolveu guardar a flor que ele ama, antes que ela secasse. Sabe como Ele faz isso?
Um dia, Ele teve uma idéia brilhante! Para não perder as jóias que Ele deixava na Terra para brilhar o bem, Ele decidia pegá-las de volta para que nada as tirasse Dele.
Ele faz com que o corpo tenha um sono muito forte que nada consiga acordar. E pensamos que a pessoa morreu... E como nós conseguimos perceber o valor de jóia que a pessoa tem, nós a enterramos, como se enterra um baú com um tesouro.
Choramos porque iremos sentir falta daquela luz tão boa que a pessoa emanava... Choramos porque vai demorar um pouco pra vermos ela de novo, mas um dia veremos! E depois de chorar, enterrar o tesouro, todo mundo vai pra suas casas. Quando chega a noite e todos já estão dormindo, o Pai do céu vem sem ninguém ver, e pega sua jóia e leva lá pra sua casa para guardá-la segura.
Não conta pra ninguém, mas é assim que o Pai do céu fará com o vovô. E quando ele chegar lá, vai acordar num lugar bem lindo, cheio de flores mais coloridas que as daqui... E vovô vai perceber que não está mais doente, nem com dor, nem sofrendo, porque estas coisas fazem parte daqui de onde vivemos. Lá na casa do Pai do céu, não existem essas coisas!
Filhinho, este corpo é um baú onde está guardada a mais preciosa jóia."
Meu filho que ficou ouvindo atento com os olhinhos brilhando, e não percebia que o seu choro havia cessado. Secou as últimas lágrimas que molharam seu rostinho alvo e suas bochechas rosadas, sorriu e me deu um abraço.
Nunca mais ele chorou quando alguém que amamos vai embora. Hoje ele entende que ninguém morre, apenas volta pra casa.
São Paulo, 24 de Janeiro de 2009.
In memorian:
- ao irmão de Ana Carvalho,
- ao meu eterno vovô, Kanjiro Shimada
- ao meu sogro, Sr Ranulfo
- a bisavó, Clara,
- ao primo Sandy,
- ao meu tio, Roberto,
- Ao meu Maestro Sebastião de Melo,
- a minha melhor amiga na infância, Eliana Ita
- aos meus melhores amigos na adolescencia, Paulinho e Júlio
- a um grande amor perdido, Tiago
- a minha melhor amiga na juventude transviada, Esther,
- e a tantas outras pessoas que se foram, e fazem sempre parte de minha história.