Aula da Saudade

Aos professores, colegas de turma e transeuntes que cruzaram meu caminho na Universidade Católica de Pernambuco.

Quantos dizem: enfim o fim. Não, não digo o mesmo. Amanhã será minha aula da saudade. Quanto tempo sonhei em estar formada no curso superior. Muitas foram as vezes em que voltava frustrada de um curso pré-vestibular, por não ter entendido o conteúdo, e no ônibus, acreditava poder apreende-lo. Quantas vezes participei de rodas de estudos em Física e, mesmo sem entender, dizia ao meu amigo: “entendi”. Não adiantava – nem tudo me era claro em Física, em Química, em Matemática, em Biologia... nem tudo me era claro em tudo. Não estudava, lia. Não me divertia, lia – a leitura didática da autodidata. Lia compulsivamente nos minutos, que eram meus para fazer o que bem quisesse deles, entregando-os ao meu sonho: entrar na universidade.

Não digo enfim, o fim, pois percebo que conhecer é infinito. Mas agora tirando os pés desse primeiro degrau, posso equiparar-me às colegas de trabalho, que usavam uma linguagem desconhecida para mim, me olhavam com uma pena recolhida na contextual insignificância do meu 2º grau. Que valeram aqueles anos??? Minha profissão: Professora. Valeram-me! E os olhares amistosos, mas penosos, de minhas colegas de trabalho.

Quando fiz o 2º grau pela primeira vez, meu professor de Português tirou 2 pontos da turma porque achou que estava “filando”. Vi-me num jogo! Descobri, recentemente, lendo as placas de conclusão de Curso de Letras, na Universidade Católica de Pernambuco, que na época, aquele homem que me atirou no mundo das noites em claro, para jamais precisar daqueles dois pontos era um estagiário. Passei a entender a repentina saída dele do colégio. Deixou-me assim a saga de jamais errar ou não saber a resposta em suas aulas de Português. Deixou-me, na inocência dos meus 16 anos, perguntar-lhe: que curso eu faço para ser professora de Português? É isso: com 16 anos eu sabia o que queria ser profissionalmente.

Da segunda vez que fiz o 2º grau, treinei o ímpeto, a coragem, a liderança. Conclui o curso de Magistério e ingressei no cenário da educação pública – onde minhas colegas, o sistema e meu sonho, sobretudo – fizeram-me viver e dignificar este momento. Viver uma Aula da Saudade. Não sei bem o porquê do nome, dado o fato que irei continuar a subir degraus de conhecimentos. Não!!! Definitivamente!!! Não existe para mim: AULA DA SAUDADE. Talvez, num trocadilho simplório, a saudade da aula é o que me vem como sentimento. Talvez é muito longínquo! Dou-me à certeza. Breve, mas certa.

Saudade então de quê? Dos professores que sentam à mesa e “vomitam” teorias? De que me valeriam esses anos sem elas!! Professoras que cantam ao falar, com suas expressividades, suas vozes articuladas, criteriosamente? De que me valeria a escrita sem a postura oral? Saudade de professores tradicionalistas com suas palmatórias invisíveis? São necessários. Ou de professores que abdicam de dizer meu nome, trocando o fonema /z/ pelo /s/? É fato! Sau-da-de da respiração cultural dele! Pode ser...! Ou, ironicamente, paradoxalmente, e todas as mentes narráveis: saudades dos conteúdos de Pedagogia. Essas, hei de entender em tempos futuros.

O fato é que chegou o dia da Aula da Saudade. Nenhuma reprovação, nenhuma nota vergonhosa, alguns desencontros, muitos encontros, muitos orgulhos, ansiedades, tremulações... Quantas vírgulas nessa reticência!!! Precisarei de mais linhas. Linhas para desculpas, para agradecimentos, para declarações de afeto, para, enfim, pontuar nesse relato um fim, sentindo-me no abandono do degrau, com corrimões fortes para continuar adiante.

Rosália Cristina, Concluinte do Curso de Letras, 15/06/08.

Rosália Cristina
Enviado por Rosália Cristina em 05/01/2009
Código do texto: T1369395
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