Carta para Ana Silvestre
Há muito que não te escrevo mas não tenho encontrado forças nem disposição para palavras. Ainda para mais escritas. Dão trabalho e dores de cabeça, estas putas. Custam a encontrar e mesmo depois de caçadas parecem enguias escorregadias e remexidas. De modos que tenho vindo a adiar. Mas como hoje nem sequer me dói as costas por aí além resolvi dar dois dedos de prosa contigo. Sinto a tua falta. De falar contigo. De pensar contigo. As horas que passámos analisando a vida foram tantas que todas juntas seriam anos. E isso ajuda muito. A suportar as maleitas que o mundo nos lança. Porque lança e não me venham com tretas de que somos nós a pedir porque muitas vezes tudo se passa quanto dormimos. Como daquela vez em que me levantei para ir trabalhar e o meu carro estava sem gasolina. Gasta na farra da noite anterior pelo estroina do meu maridinho. E eu a sonhar com os bailes da corte de Versalhes. O que pedia nesse momento era alegria e colorido e jardins e cedros altos. Por isso me consolava tanto dividir as minhas insignificantes desgraças do dia-a-dia contigo. E também as grandes catástrofes. Os nevões, os enterros, as manifestações de protesto político, a correria pelas igrejas da terra à procura do Santo António para oferecer o cravo, as malgas de tripas, as garraiadas, o Gato das Botas Altas, a música clássica no palácio e as palestras.
Riamos de nós mesmas e tentávamos descortinar quem tínhamos sido nas vidas transactas. E o que seria de nós. Estávamos a enviar mensagens para o momento de agora. E podemos responder para lá. Divirtam-se. Aproveitem e não maldigam nem por um instante o enredo da vossa história. Porque aí tudo é forte e belo. As pedras graníticas e o brilho dos astros é vosso.
Então por cá vai tudo andando tão devagar que é como estar parado. Quando algo se mexe é para derrocar. Melhor é a imobilidade. Ter gesso nas pernas até à cintura para nem sequer nos levantarmos da cama. Mas isto sou só eu a descarregar. Tu vais bem e folgo muito em sabe-lo. A tragédia deu lugar à boa-nova. Fico muito feliz. Ao menos uma de nós tem motivos para sorrir.
Agora tenho de ir pastar o carneiro. Não pára de me mordiscar a toalha de mesa. Vou passear para uns maninhos aqui ao lado de casa.
Fica na paz dos anjos e um grande beijo da tua querida irmã que te adora.
Há muito que não te escrevo mas não tenho encontrado forças nem disposição para palavras. Ainda para mais escritas. Dão trabalho e dores de cabeça, estas putas. Custam a encontrar e mesmo depois de caçadas parecem enguias escorregadias e remexidas. De modos que tenho vindo a adiar. Mas como hoje nem sequer me dói as costas por aí além resolvi dar dois dedos de prosa contigo. Sinto a tua falta. De falar contigo. De pensar contigo. As horas que passámos analisando a vida foram tantas que todas juntas seriam anos. E isso ajuda muito. A suportar as maleitas que o mundo nos lança. Porque lança e não me venham com tretas de que somos nós a pedir porque muitas vezes tudo se passa quanto dormimos. Como daquela vez em que me levantei para ir trabalhar e o meu carro estava sem gasolina. Gasta na farra da noite anterior pelo estroina do meu maridinho. E eu a sonhar com os bailes da corte de Versalhes. O que pedia nesse momento era alegria e colorido e jardins e cedros altos. Por isso me consolava tanto dividir as minhas insignificantes desgraças do dia-a-dia contigo. E também as grandes catástrofes. Os nevões, os enterros, as manifestações de protesto político, a correria pelas igrejas da terra à procura do Santo António para oferecer o cravo, as malgas de tripas, as garraiadas, o Gato das Botas Altas, a música clássica no palácio e as palestras.
Riamos de nós mesmas e tentávamos descortinar quem tínhamos sido nas vidas transactas. E o que seria de nós. Estávamos a enviar mensagens para o momento de agora. E podemos responder para lá. Divirtam-se. Aproveitem e não maldigam nem por um instante o enredo da vossa história. Porque aí tudo é forte e belo. As pedras graníticas e o brilho dos astros é vosso.
Então por cá vai tudo andando tão devagar que é como estar parado. Quando algo se mexe é para derrocar. Melhor é a imobilidade. Ter gesso nas pernas até à cintura para nem sequer nos levantarmos da cama. Mas isto sou só eu a descarregar. Tu vais bem e folgo muito em sabe-lo. A tragédia deu lugar à boa-nova. Fico muito feliz. Ao menos uma de nós tem motivos para sorrir.
Agora tenho de ir pastar o carneiro. Não pára de me mordiscar a toalha de mesa. Vou passear para uns maninhos aqui ao lado de casa.
Fica na paz dos anjos e um grande beijo da tua querida irmã que te adora.