Satisfação e Despedida- Até que eu me contrarie
Decidi escrever estas linhas, pois alguns leitores enviam mensagens estranhando a não publicação de textos novos. Cinco publicações atrás eu havia me decidido não publicar mais nenhum texto... Vez ou outra eu me pego desejando não mais fazer poemas ou poesias. É impossível deixar de escrever, mas em manter o desenvolvimento na Arte eu tenho pensado e optado por parar. Tenho certeza que apenas as pessoas com quem criei um elo irão ler tudo isso. Perfeito!
Antes de ser poeta (se é que o sou) eu já escrevia, mas amava (como ainda amo) a Filosofia. Não esta Filosofia acadêmica que forma os filósofos diplomados, mas a Arte de Filosofar... A capacidade nata de usar tudo ao redor e dentro de si mesmo para se declinar ao pensamento. Logo em seguida, creio que seguindo um curso natural evolutivo, passei a amar a Psicologia que um dia desmembrou-se da Filosofia, tornando-se disciplina por si. Eu cresci e vou seguindo os anos pensando. Amo o pensamento, pois é a única coisa realmente livre em nós. Tudo isto junto, para mim, é Poesia.
Há períodos que não escrevo... Não consigo. Eu vivo uma eterna reflexão, como aquelas que fazemos na passagem de ano. Nesses períodos eu fico refletindo, para me tornar repleta e voltar a escrever. Sempre foi assim... Mas sempre escrevi em diários e mantinha meus textos guardados. Ao longo de todos os meus anos, acumulei diários que retratavam meus pensamentos da infância, da adolescência, da juventude e da fase adulta em todas as suas fases. Comecei ainda criança, e dizia que estava escrevendo cartas para que fossem lidas por meus filhos que me esperavam no futuro. E muito tempo antes deles, eu escrevia pra eles. Muitos dos diários eu queimei em uma enorme fogueira onde incendiei objetos que guardava por anos... Foi difícil, mas depois de muito refletir, havia decidido que era preciso 'apagar' tantas linhas que narravam sofrimento e confusões de passagens de fase pra fase.
Mas a mania nunca me deixou e reiniciei os diários... Continuei escrevendo para meus filhos, mesmo depois deles. Para que quando eu não estiver mais aqui, eu de algum modo continue presente, pois o que escrevemos pode nos manter vivos pra sempre neste mundo.
Não me recordo quem ou exatamente quando, mas alguém me pediu para desenvolver o que eu escrevia e escrever para um público de leitores que foi crescendo. Jamais tive a pretensão de alcançar a fama, a glória, reconhecimento artístico ou enriquecer as custas de escrever. A única coisa que almejei foi a imortalidade. Não... Não sonho em ter uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, nem ter um livro publicado transformado em best seller, ou ainda ter um livro transformado em filme... Desejei e desejo ser imortal para meus filhos e minha descendência.
Do meu ano novo pessoal (que foi em Outubro) para cá, tenho estado bastante reflexiva... Aquela auto-análise que fazemos em dia de aniversário vem se estendendo até este dia que decidi escrever. E nesse contato caloroso juntamente com toda minha família em festas de fim de ano, as reflexões pareciam um mar onde eu me encontrava flutuando na superfície... Percebi no olhar de cada membro de minha família o amor e admiração. Percebi a influência que consigo ter sobre todos. Percebi um espírito matriarcal forte dentro de mim, que lida com cada um conforme a personalidade de cada um. Percebi como precisam de minha presença constante. Percebi como eu nunca havia me dado conta disso. Percebi como realmente sou e me comporto. Percebi que eu realmente mostro no modo como escrevo o que sou.
Lembrei-me de todos os anos como a 'ovelha negra'... De meus tios intrometendo-se na criação que meus pais me davam... De minhas tias querendo que eu fosse morar junto delas... Do medo deles todos em me ver me perdendo em algum ponto do caminho... Jamais me esqueci quando minha tia Marieta fez uma promessa a sua santa que devota, quando aos 12 anos tive minha primeira pneumonia. Quando foi descoberta, já se transformava em tuberculose. Minha vida estava em risco, e minha tia prometeu ir até a cidade de Aparecida do Norte agradecer por minha cura, mesmo meus pais não sendo católicos. Também nunca esqueci o olhar de amor e ternura de meu tio Luís que sempre me levava presentes e de como aquele olhar ainda está tão presente que diante dele eu volto ser aquela criança que achava ele grande. Ou do olhar da tia Tereza cheio de compreensão diante da 'rebelde' da família. Vovô Shimada me contava história do Japão e tinha um cuidado especial por mim, por eu ser a neta mais velha e mais próxima a ele. O respeito que ele me tinha, mesmo eu sendo como era e sou foi uma lição pra mim. Depois de mim, outras 'ovelhas negras' surgiram na família, mas não tão negras quanto eu. A Arte é algo que está no nosso sangue. Pelo menos um dos filhos de cada tio meu desenvolve algum tipo de arte. Há músicos, desenhistas, publicitários, modelos...
E hoje me pego me percebendo que tenho refletido muito...Minha vida tem mudado drasticamente... Penso em assuntos que havia deixado de pensar anos atrás... Meu casamento não é eterno como pensei que seria... Estou me separando e procurando fazer isso de modo mais civilizado e menos doloroso possível... Encontrei o amor de todas as vidas, mas não sou para ele o amor de uma vida se quer... Minha família sofre e vejo isso no olhar cada vez que tento vagarosamente dar um passo... Um esconde meus cigarros... Outro traça semanas prováveis para me levar ao médico de um modo sutil, com uma desculpa mais sutil ainda para que eu numa segunda intenção que finjo não perceber, retome exames e visitas aos médicos que não acredito mais... Cobram-me a publicação dos livros, me cobram visitas, me cobram a presença... Enchem-me de carinhos, toques e mimos como se fossem os últimos...
Sempre existiu uma linha reta e tênue traçada predestinadamente para eu caminhar... As pedras e espinhos que encontrei pelo caminho sempre estiveram ali me esperando... Todas as pessoas que conheci, não conheci por acaso... E não é acaso que sou o que sou...
Percebi como acredito demais em pessoas que não acreditam em si mesmas... Como considero grandes pessoas que só são aquilo que dizem ser e na verdade não vivem o que são... Como um conto lido na infância nas aulas de boas maneiras me deu essa mania de enxergar apenas um ponto forte positivo nas pessoas... Como não me canso de crer em minhas utopias... Como finjo detestar pessoas, porque na verdade me preocupo com elas mesmo sem conhecê-las... Como considero os animais mais importantes do que seres humanos, por não conseguir ver por dias seguidos, a fidelidade e gratidão nos 'racionais'... Como um calor me queima de dentro pra fora e não sei se é menopausa precoce, ovulação ou febre... Como mesmo com todas as evidencias claras à minha frente eu insisto em crer que daquele que foge de si mesmo pode render algo bom... Como sou capaz de amar com tanta intensidade quem não se ama... Como pude beber todas possíveis para me embriagar de algo além de vida e sensibilidade para esquecer e apagar tudo o que posso ver, mas a bebida me deixou mais lúcida... Como sou medíocre em deixar o indivíduo pensar que esta me enganando e me levando na conversa quando na verdade eu posso ver em cada atitude o que ele realmente é... Como a cada dia sinto mais dor... Limito-me mais... Morro mais...
Escrevi esta carta para me despedir, mas não sei exatamente de que... Ela está aqui por eu saber que a maioria das pessoas que visitam meus textos extensos não são capazes de ler mais de dez linhas, e que quem consegue fazê-lo é instruído, culto, possui conhecimento e um elo de amizade comigo. Escrevi para dizer que hoje até não sei quando, não conseguirei escrever mais nada... Pois a inspiração não me deixou, apenas me direciona a fazer aquilo que mais sei fazer: observar, analisar, pensar e concluir.
Escrevi, porque diante de tudo isto que disse até aqui, tudo me mata de tédio. A superficialidade nas pessoas me desperta um desejo enorme de odiá-las... A hipocrisia de quem é apenas o que diz ou escreve me causa náuseas... A mentira já deixou de ser surpresa e tornou-se banal... A falsidade veste uma máscara e representa no palco da vida uma cena imaginária e tenta ser o que nunca conseguirá ser...
Escrevo para ser imortal. E me cansa ver tantas pessoas escrevendo para se auto-afirmar, para receber um elogio, para ser famoso, para se destacar... Eu não me importo se não me enquadro, se estou dentro da métrica esteticamente conceituada... Importa que o que escrevo irá atravessar as gerações... As minhas futuras gerações nascidas de minha hereditariedade.
Vou voltar para meus diários... E para meus livros começados a tantos anos e que ainda falta tanto para terminar... Vou voltar a minha reclusão e isolamento, mantendo as pessoas distantes de mim... E mantendo perto, aqueles que possuo um elo eterno... Voltarei para minha mudez para observar...Voltarei a minhas reflexões para concluir...
Toda a minha vida foi uma eterna reflexão... Para uma imortalidade que só virá quando eu morrer... A Morte me ronda e eu invoco a Vida. E tenho olhado a vida a minha volta e vejo como preciso refletir mais para compreender por que as pessoas insistem em representar e fugir de si mesmas... Por que as pessoas têm tudo para ser muito melhor, mas segundo o julgamento delas do que é melhor tornam-se piores...
Não... Não estou decepcionada com ninguém: as pessoas se tornaram tão previsíveis que não me decepciono mais. Não estou chateada, magoada ou irritada com alguém: deixei de perder tempo com isso quando descobri que cada um nasce pra ser o que é. Não... Não estou desistindo de nada: um teimoso nato jamais desiste. Não estou de baixo astral nem pessimista: estou sendo realista.
Só estou farta! Farta de viver num mundo cheio de adultos, seres humanos, animais racionais que não conseguem ser decentes nem consigo mesmos... Que possuem um dom de arrumar confusão mesquinha onde quer que encostem... Que reproduzem suas fantasias ilusórias e acreditam que são o que fantasiam ser... Que não sabem a diferença de possuir conhecimento e possuir informação... Que por onde passam deixam tanta desgraça e se contorcem quando lêem palavras realistas... Que me matam de tédio e frustração... Pois o que escrevo, não fala de mim... Fala de todos que estão a minha volta! E o que escrevo não tem contribuído em nada para que alguém além de mim mesma se torne melhor.
Por enquanto, continuarem escrevendo aos meus filhos, aos meus netos que um dia virão, aos meus bisnetos... Pois oq ue escreverei irá surtir efeito a eles... Pois escrevo com minha alma, com meu sangue que grita hoje como gritou tantas vezes no passado, e continuará gritando no futuro... Mesmo quando eu não mais estiver aqui.