Um Ano
Um ano, amigo. Um ano inteiro se passou desde a sua partida. Trezentos e sessenta e seis dias do bissexto dois mil e oito.
Um ano sem o seu braço forte no timão da nossa Grande Loja Unida do Paraná, que você não gostava quando a chamávamos carinhosamente de ‘glup'.
Fizemos um busto para você. Os mais críticos dizem que ficou horrível e não parece nada com você. Você se zangaria por gastarmos dinheiro com uma homenagem pessoal tão cara, mas achamos que tínhamos que preservar a sua cara feia num busto, por tudo que ela representa para nós. Se serve de consolo, fizemos de resina - é mais barata e fica igualzinha -, e pusemos num lugar fechado - os pombos não usarão como banheiro. - Se um dia o projeto que o seu cunhado encomendou de um vereador se tornar lei e você virar nome de praça, quem sabe não façamos um busto maior. Você sabe que eu brinco assim, mas sei de sua vontade de evitar distinções pessoais. Não consegui chegar a tempo de impedir que os irmãos gastassem com flores no seu velório. Eles não sabiam que você preferiria que o dinheiro fosse gasto com cestas básicas para alimentar os pobres.
Criamos um Centro de Cultura. Nele está a biblioteca Silas Pioli, que já tem quase quinhentos livros no acervo. Sei que o Silas não queria nada com seu nome, mas eu não prometi nada a ele. Você prometeu e cumpriu. Os irmãos elegeram homenagear a ele e eu apoiei. Poucos livros foram emprestados, mas o Centro de Cultura já promoveu duas palestras: uma sobre a ‘proporção áurea' e outra sobre Mozart e a ópera ‘A Flauta Mágica'.
Para 2009 queremos fazer muito mais. Várias palestras estão programadas. Vamos criar o Museu Maçônico Jefferson Scheer, que contará a nossa história. Estrearemos os novos rituais e as ‘webpages' da GLUP, CLIPSAS e COMAM. A informatização da Secretaria e de todos os procedimentos. Vamos fazer mais reformas no templo de Rio Branco do Sul - o telhado novo ficou uma beleza. - Vamos fundar novas Lojas e Triângulos. - O Triângulo Feminino Fraternidade Atlântica, do Grande Oriente Maçônico de Portugal, é uma grata realidade em nosso templo, um sonho seu que pudemos concretizar. - A comitiva para o Clipsas 2009, na Romênia, já é de quatro pessoas, confirmadas com o dinheiro em caixa, como você costumava dizer que deve ser uma confirmação.
Um ano sem a sua palavra certeira, às vezes polêmica, às vezes doída, mas sempre forte e apaixonada como a de grande líder que era.
Um ano sem os seus conselhos, que pareciam tornar mais iluminado o caminho, como se você enxergasse o futuro e nos guiasse os passos; como se você dividisse a carga e tornasse mais leve o fardo. Não era gratuita essa ajuda. Ah, como era pesada a sua língua. Quantos amigos você espantou com seu temperamento forte, quanta ginástica tivemos que fazer para aceitar as coisas do seu jeito, que afinal, no mais das vezes, acabávamos descobrindo que era o jeito certo de fazer. Mas nem sempre o certo é o mais rápido, tampouco o menos penoso. E você não tinha medo de tomar medidas impopulares, nem temia a deserção de seus seguidores. Quantas vezes eu gelei diante das suas decisões; quantas vezes eu falei que o preço a pagar por elas seria muito alto. Mas você pagou. O resultado foi que chegou onde nenhum de nós ousou sonhar: um americano na presidência do Clipsas, fato nunca antes ocorrido, desde a sua criação, em 1961. Posso até ve r a sua cara de desdém, se estivesse vivo, a encolher os ombros e dizer modestamente: "Grandes coisas!", como se o seu feito fosse a coisa mais normal do mundo. Normal para você, não para nós.
O mundo mudou, amigo. Neste ano que vivemos sem você um negro foi eleito para suceder o Bush nos Estados Unidos. Lembra do projeto que você tinha para apoiar a formação de gênios negros? Pois é, lá eles elegeram um negro 'superstar' de quarenta e sete anos. Não um velho protestante rebelde, mas um jovem negro com pinta de galã e descendência muçulmana, acredita? O velho pastorJesse Jackson chorou ao ver o sonho de Martin Luther King se realizar quarenta anos depois do seu assassinato.
As bolsas do mundo todo despencaram. Fala-se numa derrocada maior que a de 1929. Os diretores das três grandes montadoras norteamericanas foram de jatinho particular a Washington passar o chapéu no congresso e pedir dinheiro público para salvar suas fábricas. Levaram um efusivo 'não'. Na semana seguinte voltaram em carros híbridos e elétricos e, aí sim, conseguiram algum apoio. Você se revoltaria, amigo. O gigante do capitalismo derramando oitocentos bilhões de dólares do erário para salvar as companhias privadas. É a socialização do prejuízo, tão combatida e tão criticada por você, agora em dimensões gigantescas.
Por aqui o grande molusco, com sua sabedoria de botequim, soltou a seguinte pérola: "O que nos EE.UU. é uma 'tsunami', aqui não passa de uma marola!" Mas o oráculo estava errado, mais uma vez, e a frase só engrossou o acervo de bobagens para repetir na retrospectiva.
Tragédias, guerras, violência não vou relatar. Pouca coisa mudou. Mudam os personagens e os palcos, mas a história continua a mesma.
No mais amigo, seguimos a nossa vida. Uma saudade enorme e a consciência de que ainda não comemos os frutos da tamareira que você plantou, mas já gozamos os benefícios da sombra.
Fica com Deus.