Dia desses
Eu sonhei que ele estava cruzando a porta, a velha porta do velho apartamento da velha cidade de sempre como se ele tivesse voltado do espaço, carregados de pontinhos luminosos pelo corpo, como se tivesse encostado e se sujado de pó de estrela. Ele no meu sonho entrava e dizia que estava de volta, mas que logo iria novamente, o espaço o aguardava e a terra lhe parecia pequena.
Menor era o apartamento que parecia espremê-lo a ponto de fazê-lo sufocar e tossir.
Nesses momentos de tensão ele enfiava a mão por uma bolsa que trazia consigo, tirava de lá um pó e recobria o chão da sala, e dizia que assim se sentia melhor e eu também me sentia inexplicavelmente melhor depois que o pó se depositava calmo sobre o assoalho.
Então, no sonho, ele se deitava e me puxava pra perto e eu mal podia acreditar que ele estava ali de novo, que ele tinha voltado e mais uma vez eu podia abraçá-lo, e mais uma vez podia cheirá-lo como eu fazia, como eu sentia, Meu Deus! Como eu sentia...
E então a gente dormia sobre aquele pó e sobre o chão recoberto por ele, sobre a casa, sobre o telhado, sobre todas as luzes, sobre a terra, sobre os nossos ossos, sobre tudo mais que poderíamos, dormíamos sem dormir, repousávamos no abraço.
Eu acordei. Sentei na cama, me amarrei a lembrança do sonho como um menino a segurar pela linha de uma pipa que vai lá no céu, bem longe, como um menino que não quer se desfazer de um bem tão precioso, eu segurei meu sonho.