Carta para Maria Olímpia Alves de Melo
Querida Merô
Eu, manteiga-derretida-assumida-e-sem-pudor, derramo entre as teclas a felicidade em ler COMO SE EU ME IMPORTASSE...e te digo: me importo porque me ofende a indiferença, o desrespeito, a negligencia com o outro, porque ele, o outro, o próximo, sou eu...
Fui criada num lar cristão, família numerosa de 10 irmãos, com pais que lutavam diuturnamente para que vivêssemos com dignidade e nada do que era necessário à nossa sobrevivência e a busca da felicidade nos faltou jamais. Aprendi com meus pais e com cada irmão e cada irmã a dividir tudo. Nada era meu, tudo era nosso e “costume de casa vai a praça...” estendi esse meu jeito na escola, no trabalho, na vida...
Muito cedo compreendi que “amar a Deus sobre todas as coisas” é amar quem o representa aqui na terra- o Ser Humano- com todos os seus defeitos e virtudes. E, certamente, escolhi ser educadora para partilhar mais ainda o que a vida tão generosamente me concedeu: a capacidade de aprender sempre e traduzir, dar voz e sentido ao conhecimento, ao vivenciado e aos sentimentos, pois a vida é um milagre e jamais deve ser desrespeitada ou banalizada.
Por isso me importo. Porque todos têm o direito sagrado a uma vida digna, direito a se alimentar, morar, trabalhar, estudar, viver... Me importo também por mim, que sou um deles, porque vivo para merecer e dignificar a espécie que se diz inteligente e habita este planeta.
Me importo porque sou feita desse toque de imaterialidade. Por quê? Nem sei... só sei que sinto e, lembrando Cecília Meireles “...porque o poeta, indiferente,anda por andar — somente.Não necessita de nada.” E eu necessito sempre e muito!!!
Obrigada! Tua sensibilidade me comove e encanta! Deus te abençoe!Vou me permitir o atrevimento de postar teu poema aqui, sem te consultar! É um presente raro, que faço questão de partilhar!
Um beijo!!!!
Como se eu me importasse
Maria Olímpia Alves de Melo
(dedicado a minha amiga Edna Lopes, que se importa)
Como se eu me importasse com o nome
do poema
ou com a rima que enriquece
as estrofes
ou com a sonora cadência
destes versos.
Como se eu me importasse!...
Sou marceneira por acaso.
Eu me importo é com a vida
do nascente ao ocaso.
Com este chão de grama orvalhada,
com este azul de rubro manchado,
cheiro de terra, semente germinando,
água de chuva encharcando o oceano.
Como se eu me importasse com as coisas
que não são.
O que me importa é aquilo
que está sendo,
ou ainda, as coisas que
vão ser
um belo dia, quando o sol clarear.
Me importo é com o suor deste corpo cansado
que deita nessa grama, rosto rubro, orvalhado,
cheiro de terra, na roupa surrada,
nas mãos calosas, semente germinando.
Eu me importo é com essa chuva que cai do teu cansaço,
com esta noite que escurece a tua fome,
com esta morte que te mata a cada passo,
com este passo com que arrastas o teu tempo,
com este tempo que tu contas como vida.
Eu me importo é contigo, meu irmão
(do livro de poesias inédito, Herança)
Publicado no Recanto das Letras em 14/12/2008