CARTA DE AMOR
Não me importa a sede, a fome, o sono, o frio. Importa-me escrever esse vazio, que me encher de tristeza. Tristeza? Dizer assim é ser muito vulgar, ser bruto, é sobrevoar... O que por meu peito corre é o que nada é mas tudo destrói. É a abstração inexata que corrói, é um sem sentir, o maior dos sentimentos. É a contínua construção do sublime e a dor da sua implosão, é o magoar por ser atingido pelo fútil e não libertar as futilidades do coração! É vazio que não envolve, congela. É vazio que não alimenta por nada ser. É vazio das noites em claro. É sentir frio, sentir fome, é não acalmar a alma.
E calma, que me peço, nada mais é que evasiva. Sei que não devo me desesperar antes, para não sofrer agora e depois. Mas minha decepção dou como tão certa que para não sofrer agora terei de me manter embriagado, fora do mundo, em outro lugar... E me manterei assim se acreditar que o contrário pode acontecer. Sua mão tocar-me o coração à distância, a dizer quanto por mim sente pelo menos um quinto de todo amor que se pode ter – o que completo guardo por você.
Minha alma não cai em contradição por amar alguém que pouco conheço. Alguém cujo nome até me esqueço! O amor é presságio de outro bom sentimento que logo nos assume... Das formas dele, nenhuma justifica o ciúme, nenhuma delas pode a outra ser comparada. É espontâneo; não se mede sua intensidade – não sua altura tampouco sua idade. Por justificação essencialmente inexistente, complexa ou por muito arbitrária, não existe poema que reúna todas as razões de amar, como não há traços que sequer insinuem seu rosto.
Que há em mim mais senão um grande amor? E se nada for? Se nada fosse tão grande seria como se tudo reunisse, pois o vazio me deixa morto, me deixa triste... E se me pudesse encher de nada para ser feliz, não teria cuidados em estourar de amor. Que são seus olhos senão carbono e hidrogênio? A mais bela forma que os elementos químicos podem assumir, que um deus ou o acaso podem alcançar. É o sublime como seus gestos pra dança, seus risos pelo ar. Suas palavras pra lembrança, o nada e o tudo pro amar.
Por mais que eu minta, como faço do seu lado, nada me esconde o querer. Nada esconde que desejo uma resposta. Não estou em posição de exigir, apenas quero que não me retorne o mesmo que digo... Que não me retorne o eco. Que não me retorne em sonhos o meu amor e meu desespero. Dentro de mim você se faz noite, e quando morre o sol você ainda dirige seus raios sobre mim. Tempestuosa, vem cheia de adornos e de lâminas, mas o que me dói é a mortalha, é prenúncio de que eu, rio, desaguarei sem você, água.
Me encontro a imaginar que pudera lhe ter dito que amo, e que, por mais que não sinta o mesmo por mim, lhe desejo o bem tanto quanto se me amasse. Sei que por um lado me ama, ou pelo menos me vê bem. Como quem não é ruim, como pessoa a ser amiga. Não sempre por minha timidez, mas também por não querer ferir você, nada diretamente lhe disse nem cobrei que responda... Mas peço, peço com a pureza castanha aparente dos seus olhos, que me diga pelo menos os motivos que levam a me dizer não. Sim, pessoa única, com a mesma sinceridade que lhe desejo sempre bons dias e boa sorte.