SOBRE UMA SENDA DE FLORES E ESPINHOS

Saudações ao amigo Adalberto Lima.

Além de uma nova criação literária a brotar na seara das letras, esta Senda de Flores e Espinhos – obra memorialista de Adalberto Lima - conduz-me a um reencontro de especial simbologia. O autor, um precioso amigo de juventude, partilhou comigo os passos iniciais de um ideal literário que, à época, se nos insinuava como porta para um planeta encantado cujo reino, na pureza da adolescência, sonhávamos descobrir e conquistar.

De outro modo, Adalberto é personagem vivo duma história real em que um grupo de jovens interioranos, malgrado a precariedade dos meios e a incerteza dos fins, ensaiávamos vôos na literatura e “resolvíamos” nossas divergências filosóficas em rodadas de “pitu” e noites de serenatas - estas últimas, às vezes, tão mal sucedidas quanto sempre eram as primeiras.

Nos idos de setenta e um, adolescentes ainda, eu, ele e Odaly Bezerra, outro poeta de mão cheia, dividimos a direção, redação e vendagem do jornal “O Brado Estudantil”, que tinha como base física, em Picos, o armazém Flor de Lis de seu irmão Assis Lima, e o Colégio “Marcos Parente” como mercado-alvo principal.

Tangidos por uma polivalência forçada, acumulávamos as funções de diretor, jornalista e jornaleiro, sem mudar a camisa: captávamos patrocínios, redigíamos os editorias, editávamos as matérias dos colaboradores, supervisionávamos a impressão e vendíamos a tiragem no varejo, percorrendo a cidade, a pé, com os jornais na cabeça.

O Brado, a despeito de uma estréia explosiva (no âmbito do Colégio) não conseguiu romper os muros da primeira edição. Faltou-nos paciência para esperar nova vaga na pauta da gráfica - de composição manual - que, nas madrugadas de folga, por um preço camarada, nos abrira suas prensas. A gráfica Picos tardava, mas não era de faltar: A próxima impressão sairia em um dos meses seguintes, provavelmente ainda no ano em curso, desde que as máquinas não nos pregassem uma peça, entrando em parafuso.

Precipitados, demos destinação nada nobre ao lucro obtido na primeira (e única) tiragem - Já naquele tempo, as farras eram um pedregulho nas botas da mocidade.

Poucos anos depois, o Banco (do Brasil), para cujo quadro funcional fomos aprovados, levou-nos para praças distantes entre si. Naveguei, desde então, por este Brasil urbano e caboclo, à procura do “caminho para as índias”. Adalberto, por seu turno, descobre, logo, as Minas (Gerais) de seus novos passos e amores e ali aportou com ânimo de permanecer e “sem medo de ser feliz”.

Quanto mais se aprofundam as andanças, mas se expandem as fronteiras do coração. No novo espaço, faz alianças, semeia e colhe afetos, e, quem sabe?, desafetos; constitui descendência; protagoniza comédias e expia seus dramas. Multiplicam-se os cenários e personagens e vai formando suas memórias, para desencavá-las um dia. Disso tudo emerge agora estas Flores e Espinhos, um baú de contrastes, em que frente e verso se perfilam.

Neste livro, Adalberto resgata imagens remotas e difusas, reconstitui valores que lhe são caros. Reminiscências, “dos tempos em que mulher de vida fácil era difícil”.como está dito no conto “Candim de Mariano”. Outras, no explicar do próprio autor, são fragmentos de memórias, maquiados pela sua imaginação - mas sempre histórias com riqueza lingüística, dosadas de sensibilidade e doçura.

As “Sendas” têm, no trecho inicial, relembranças em que pontifica a gente simples das periferias de nossa infância. Na quadra seguinte, as histórias migram com ele para sua fase mineira. Ali, aparece um Piau irreverente e peralta, personagem cuja identidade o autor parece voluntariamente assumir. E Piau não se faz de rogado: não contente em apagar as velas que Adalberto, em tempos pregressos, consagrara ao partido de Deus, ele acende outras para a oposição.

Não obstante essa “quebra de confiança”, o personagem parece ter-se tornado heterônimo do autor, posto que este, placidamente, o incorpora como apelido que lhe fora cunhado por seus novos interlocutores. Mas, cá pra nós, apesar da convivência aparentemente pacífica entre ambos, a criatura – de natureza presepeira - não dá testemunho real nem revela o espírito generoso e sensível do criador.

O livro traz à tona, ademais, em sua primeira parte, corruptelas e regionalidades que no Nordeste atual - plugado na tecnologia e em processo crescente de globalização - já se vêem pouco a pouco reduzidas ou circunscritas a núcleos rurais específicos. Na obra de Adalberto, contudo, esse resgate se impõe e se explica. Pois se a terra já vivencia diferente patamar cultural, nos filhos distantes, aqueles elementos compõem um “arquivo morto”, paradoxalmente vivo em seu âmago.

Recriar, porém, é papel primordial da literatura. Aqui, os falares nordestinos, ali, fragmentos do linguajar mineiro, alhures, ambas as regionalidades se conjugam, porque representam retalhos de uma grande colcha denominada Brasil. É assim que uma unidade menor, ao escapar de seu isolamento, .funde-se a contextos regionais semelhantes e tornam-se um sistema de dimensões indemarcáveis; universalizam-se.

Estimado amigo Adalberto, que imensurável prazer reencontrá-lo! E, invocando aquelas nossas especulações verbo-nominais, melhor ainda é reencontrá-lo escritor, “de volta para o aconchego” das musas, reconciliado de mala e cuia com sua antiga vocação.

Devo confessar que, nestas décadas, não temi perder o companheiro leal de tantas viagens do intelecto e inocentes peripécias .As amizades verdadeiras são atemporais e indiferentes às reentrâncias da geografia. Receava, porém, que aquele literato, que tão bem se esboçara nos anos setenta, se perdesse nos caminhos de seu novo mundo, quiçá formados de labirintos. Como, aliás, tantos se extraviaram, até aqui, nas rodilhas da burocracia, do poder político ou econômico, ou porque deixaram seu canto sufocar-se pelos desencantos.

Alegra-me, todavia, constatar que o tempo não diminuiu nossos pontos de convergência. Fez apenas alguns remanejamentos e adequações. Por exemplo: compensou-nos os desfalques na cabeleira com arrobas a mais na silhueta; rasgou nossa agenda de rodadas de “pitu” ou serenatas bizarras e acalmou-nos aquela impaciência que em setenta e um detonava o “Brado Estudantil”. E mais: lapidou-nos as ferramentas de trabalho e manteve intactas nossas asas de poeta.

E, assim, a força mágica da arte logra, mais uma vez, reunir o que à geografia e à história se mostrou impossível. É que, a despeito das distâncias e dos anos, continuamos congregando no mesmo culto (ao amor fraterno e às letras), de onde, em última análise, nunca nos dispersamos.

Brasília,DF, junho de 2008.

Gilson Chagas

Escritor e professor

SOBRE SENDA DE FLORES E ESPINHOS, AGUARDE. ESTOU TERMINANDO A LEITURA. É COMO A VIDA – GOZADO E GROSADO – MAS LITERATURA QUE AGRADA E QUE FICARÁ PARA A HISTÓRIA. NUNCA TINHA LIDO UM LIVRO DE HISTÓRIAS DE BANCÁRIOS (e para bancários, naturalmente, mas não só) COMO O SEU. EXCELE EM MUITAS VIRTUDES. .

ABRAÇOS

CHICO MIGUEL

EX-PRESIDENTE DA UBE-PI(União Brasileira de Escritores).

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