A quem interessar possa
Carta encontrada no bolso de Tião do Berro, morador de rua, sem familiares conhecidos, visto frequentemente nas imediações da Praça da Sé, encontrado morto na manhã do dia 8 de dezembro de 2008. Causa da morte ainda não revelada.
São Paulo, 25 de julho de 2008
Caríssimo amigo,
Limitar-me-ei a somente abusar do rebuscamento que tanto perseguem para tentar mostrar-lhe a verdade enraizada na austera busca por uma condição preliminar capaz de tornar até o mais insignificante aspirante a literato um “às da pena”, mesmo tendo em mim a sabedoria de que tal ato seja desencorajado por professores de redação. Não usarei de outras artimanhas literárias para compor um texto eficaz no sentido de deixar qualquer leitor enlevado de tanta magnificência. Apenas, prefiro relatar algo que venho percebendo em minha vida cotidiana. Por meio de minhas andanças pelas ruas frias, no sentido humano da palavra, da cidade onde resido, percebi uma falta exacerbada de intimidade com a língua e com tantas regras que fazem nosso idioma um tanto quanto complexo aos que se apregoam habitantes dessa cultura metafórica, porém materializada e nomeada Brasil. Ao conversar com cidadãos comuns, desses que passeiam pelas ruas, exalando uma civilidade que existe apenas no papel, pude notar uma falta total de comprometimento para com nossa tão valorosa cultura. Um idioma tão rico como o nosso deixado a mercê de meras utilizações ignóbeis e sem qualquer propósito relativo ao pleno exercício da cidadania e da valorização cultural de nossa pátria. Venho deixar meu pesar, com relação à nossa falta de cuidado para com a perfeita utilização da língua portuguesa, tanto a falada quanto a escrita, sendo que esta última vem perdendo sua aura de excelência, resumindo-se a uma série de palavras mal estruturadas, mal empregadas e constantemente escassas de significados. Não mais me estenderei. Somente deixo minha mensagem na forma de uma epistola insignificante, que possivelmente perder-se-á em meio ao mar de discrepâncias culturais que assola estas terras tropicais.
Agradeço a atenção dispensada
Tião do Berro