Rito de Passagem
Um desalmado energúmeno teve seu gato atropelado, e covarde não o levou ao veterinário e pior: colocou dentro de uma sacola de plástico amarrada para que ele acabasse de morrer sufocado.
As crianças da rua o encontraram e me trouxeram... Olhei para os olhinhos delas, desesperadas pela vida do animal e refleti que ainda pode haver chances para esse mundo, pois ainda existem crianças.
Meu filho cedeu a blusa e o envolveu, tirando-o da sacola. Peguei-o com cuidado e trouxe pra dentro de casa. Há estúpidos que passam de carro sentindo-se a última coca-cola do deserto, com o olhar superior por detrás de um óculos escuros, acreditando mesmo que dentro de um carro são melhores do que poderiam ser. Minha casa e a casa do vizinho da frente é moradia de gatos. E bem nesse ponto de nossa rua, os imbecis aceleram ou empinam motos. Pensam: "São apenas gatos...".O pequeno agonizante foi atropelado e sua traseira estava como que esmagada, com os órgãos visivelmente deslocados para frente. As costelas quebradas e nenhum movimento nas patas de trás... Se no momento do atropelamento os sentidos estão bons, ainda há chance se levado a uma clínica. Prova disso é nossa Mimosa, atropelada do mesmo modo por um caminhão de gás.
Quando vejo um animal assim, sendo o resultado do que apenas um humano é capaz, não consigo deixar de sentir desprezo. Os humanos passam por tudo que passam por conseqüência de seus atos. Não importa se a alma ocupa um corpo novo ou já envelhecido, são todos humanos. Caráter, personalidade, sentimentos contínuos podem passar hereditariamente de pai pra filho. Filhos podem herdar cargas malditas de seus pais... Se pais não receberam as conseqüências de seus maus atos, seus filhos receberão, é fato! A Lei do Retorno está ativa: o que você semear, isso vai colher! Evitar isso? Tentar desfazer o mal feito!
Fico aqui assistindo a dor e a morte lenta do animal, não podendo sacrificá-lo, pois isso vai contra meus princípios. Também nunca se sabe a força interior que existe em um ser, capaz de operar milagres. Animais lutam pela própria vida mesmo quando lhes sobra um pequeno sopro.Não posso sentir pena, pois o animal sente as energias... Sentimentos possuem cheiros característicos e os animais sentem todos eles. Se eu sentir pena, irei vibrar energia negativa e emanar substâncias químicas que farão ele sentir o cheiro da piedade, e isso prolongará seu sofrimento.
Só aguardo que ele morra... E me espanto com o que chamariam de frieza...Nada acontece por acaso... Em pouco mais de uma semana vivo a mesma situação... Alguma coisa quer me dizer algo...
Não, a morte não se tornou banal aos meus olhos... Muito menos o sofrimento alheio seja de humanos, seja de animais... É que temos que escolher diante das circunstancias o que vamos sentir. Chorar, sentir ódio mortal dos humanos, me indignar, não vai mudar o que este animal está vivendo. Não vai mudar o mundo e muito menos o humano... Apenas vai me desgastar e me fazer soltar no próprio organismo substâncias nocivas a minha saúde. Resta-me tentar aprender algo com isso, inclusive continuar controlando meus sentimentos.
Há muitas situações na vida que são do mesmo modo... Elas não precisam necessariamente desencadear desespero, rancor, mágoas ou ódio... Se um capitão diante de seu navio em meio a uma terrível tempestade se desesperasse, nenhum navio se manteria navegando após uma. As coisas negativas da vida acontecem para isso... Para determinar quem afinal está no controle do leme. Isso exige uma postura que não agrada muita gente.
Medo, insegurança, cinco minutos de descontrole, são normais... Reagimos automaticamente a tudo pois somos condicionados. O mundo a nossa volta prega a desgraça para que, quem se encontra nela permaneça nela. E as pessoas aceitam isso sem nenhuma imposição, pois faz parte desse jogo que continuem focadas em tudo o que querem conquistar, em tudo o que precisam ter, em tudo o que precisam para sentir-se alguma coisa, para envaidecer-se cada vez mais, para se auto-afirmarem enganosamente cada vez mais...
É a segunda vez que um gato morre na minha presença pelas mesmas circunstâncias... A dor extrema... E esse tipo de dor mata! A dor libera substâncias que são também nocivas... Dor excessiva mata o coração. Se há o auge da dor e o individuo ou ser ultrapassou a fase de enlouquecer, ou está completamente mergulhado nela em choque, a dor vai matar do mesmo modo.
Sempre iremos reconhecer a dor... E em seu princípio, podemos escolher senti-la ou não! Cada pensamento ou sentimento direcionado ao objeto ou circunstancia que causou a dor, irá alimentá-la e torná-la maior.
Eu coloco uma música tranqüila e relaxante, embora quando se sente dor, até isso causa certa irritação. Mas a irritação também é um tipo de reação. Converso com o pequeno moribundo... Faço-lhe carinho... Digo-lhe para voar em paz, pois só está aqui para não morrer sozinho... Ele cada vez mais relaxa seu corpinho...Parece dormir profundamente e sua respiração é tranqüila...Ele pode já estar a muito tempo em choque, e não reconhece nada disso... Apenas quando lhe sopro no focinho, e ele reage... Enquanto não se contorce, dorme... Quando a dor aperta, tenta se contorcer... Eu vibro todo amor que poderia dispensar a alguém que não existe...
Porque a morte está aqui esperando o tempo certo de todas as coisas, sejam humanos ou animais... Onde há vida ali ela ronda... E a energia de vida reage a energia do amor... E o pequenininho irá cumprir seu tempo sendo amado por quem nunca antes viu enquanto vivia.
Fosse gato, cão, humano, planta, árvore, ave... Fosse vida em qualquer corpo... Eu faria a mesma coisa... A banalidade da morte não está em acostumar-se quando ela arrebata alguém ou alguma coisa... Está em não compreender e não respeitar o rito de passagem da vida! Viver nesta realidade é estar morto... Quando se morre na verdade passa a se viver!
Morrer é como nascer, só que em um lugar diferente... E eu fico aqui, esperando... Pois o Universo assim desejou...E eu vibro meu melhor e meu amor... Preparando o pequeno para nascer no outro lugar!
São Paulo, 29 de Novembro de 2008, 00:11