ARNALDO NISKIER



Prezado e ilustre Professor e Escritor do Brasil para a Educação,



ARNALDO NISKIER

País verde e amarelo que amamos,
Se o verde é as nossas matas,
E o amarelo o nosso ouro,
E se o azul for mesmo da cor do céu,
Ajude-me que sou apenas um estudante.


Boa tarde,

É com alegria que lhe escrevo, e li o seu livro ao incentivo a nossa língua portuguesa e aos estudos diários. Desculpa-me pelo tamanho da carta, é uma carta de um brasileiro que ama muito o seu país, apesar dele pouco me olhar e ao menos saber que eu existo. Só que na minha cidade só existe uma biblioteca municipal e lá tem poucos livros. E eu não tenho livros, e os livros que eu tenho é o do MEC Fename e meu pai também não tem condições de comprar, ele ganha menos do salário na prefeitura de Caxias, trabalhando numa caçamba que recolhe o lixo da cidade. Eu não falo direito pois sou gago, mais leio tudo com os meus olhos. Já fiz um livro de poesia e tenho mais de mil escritas, e um grande amigo e vizinho que trabalha na gráfica Folha de Caxias, encadernou e colocou na capa azul com letras douradas – Minhas Poesias. Agora tô escrevendo um romance. Peço-lhe que me ajude e me mande um livro de Atlas, e seus livros para que eu não vá todos os dias lá na biblioteca pública. A mulher de lá é muito chata, pensa que a gente vai arrancar as folhas dos livros ou levar para casa. Por favor, sou um garoto pobre da cidade do maior poeta do romantismo (Gonçalves Dias). Se o senhor me mandar o livro Nosso Brasil de estudos de problemas brasileiros e a Nova Escola, ficarei muito feliz. Também quero livros velhos de gramáticas e literatura. Senhor Arnaldo, eu só não sei é falar direito mais sei escrever muito bem, um dia serei um poeta de verdade, meus pais não querem que eu seja poeta, assim mesmo escrevo escondido deles, ando sempre com um lápis no meu bolso e várias folhas de caderno, e aonde eu chego, fico escrevendo. Já estou com uma semana fazendo esta carta. Ontem, minha irmã Jesus contou para a minha mãe que eu gastava as folhas de caderno escrevendo besteiras, ela olhou e viu as folhas soltas.

É difícil ser poeta assim como é difícil terminar os estudos e não ter o que fazer. Não sei o que será o amanhã para mim, somos sete irmãos, o meu irmão mais velho foi pro Rio morar, aqui não tem o que fazer a não ser cortar pano no Armazém Paraíba ou nas Lojas Pernambucana. Meu pai disse que só pode dá o primeiro grau e o segundo grau se ganhar as bolsas de estudos dos políticos. O meu irmão Lino está estudando em Teresina, ele adora falar inglês, seu maior sonho é morar na América do Norte. A minha casa, está ruim, tem uma goteira grande e nesse inverno que passou molhou meus livros, são poucos, apenas 3.

A minha irmã mais velha, a Raimunda é professora municipal, a coitada não para é pra cima e pra baixo e ainda ganha pouco da prefeitura ensinando o Mobral, foi morar em Dom Pedro, mais já voltou para Caxias, ela ajuda muito aqui em casa com o seu dinheiro que ganha mais ela vai comprar perna manca para substituir uns caibros que estão velhos. Quero fazer uma denúncia aqui também, eu sou fazedor de papagaio, tanto faço como vendo para ir ao Cine Rex da minha cidade, e no mês de maio, um policial sem farda mandou eu abaixar o meu papagaio que estava com a bandeira do Brasil, dizendo que é crime, além de quebrar o meu brinquedo disse que levava eu e todos lá de casa à delegacia. Olha, na semana passada outro policial à paisana ordenou ao Feli, filho da minha madrinha para ele descer correndo o papagaio dele, senão ele quebrava, alegando que era ordem do Governo para não usar a bandeira do Brasil. Eu não entendo e ninguém me fala, mais ouço as conversas das pessoas sobre a crise que o nosso povo passa. A polícia devia deixar de vigiar as pessoas com tanta agressão, sou um menino pobre da Rua Bom Jesus dos Passos, mais essa não é a forma do Governo escandalizar o seu próprio sangue. Ninguém me fala, ninguém sabe me dizer a verdade só porque sou um menino. O Governo não diz a verdade por isso tô lhe contando o que eu gostaria que soubesse. Senhor Arnaldo, a polícia que bate nos homens e mulheres deveriam ir atrás das pessoas que estão derrubando as nossas palmeiras de babaçu para colocar fazendas de gado. Isso, eles não fazem. Um dia, lendo sobre Santos Dumont, perguntei para minha professora de que Santos Dumont morreu, ela só me disse que foi de morte natural, mais a minha mãe disse que foi de suicídio e que ele inventou o avião e as pessoas estavam usando para matar as pessoas, e ele ficou triste e se achou culpado e se matou.

Senhor Arnaldo, não quero tomar o tempo do senhor, mais ontem eu me escrevi no primeiro concurso de poesia do Colégio Diocesano com o Tema Pátria, pois faço a segunda série do primeiro grau, e só tenho 14 anos. Também passei 3 anos só numa série do primário por não saber falar, mais eu sei ler com os meus olhos, viu? Não é pedindo muito, mais se o senhor tiver condições de publicar meus livros, eu dou a venda para editora que registrar e divulgar minhas poesias. O único livro que aqui em casa tem de boa leitura é o Almanaque de Seleções de 1971, adoro ler. Quero que o senhor saiba que aqui em Caxias tem um pequeno admirador seu e não largo os ensinamentos de sua gramática que achei na caçamba do meu pai, foi assim que descobrir quem era o senhor, um homem bom, inteligente, jornalista, professor e que tudo faz para a educação do povo do Brasil. Vai uma quadrinha de verso sem metrificar, acho que não é preciso, é de minha autoria para o senhor.

Meu senhor Arnaldo Niskier do Brasil,
Veja a minha carta com muita atenção,
Dum pobre poeta que só quer educação,
Faz versos bonitos numa rápida visão,

Aguardo os livros, não tenho como pagar, sou apenas um estudante e um pequeno poeta.

Caxias do Maranhão, a terra mais linda do sertão, quarta-feira, 13 de setembro de 1974

13 horas com bastante sol e o céu todo azul
Assina o seu eterno admirador

Erasmo José Lopes Costa, o poeta


Carta enviada ao Emérito Arnaldo Niskier em 1974.

ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 19/11/2008
Reeditado em 13/10/2011
Código do texto: T1292017
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