CARTA SUICIDA

Meia luz, o sol de seis da tarde horas entrando suave por uma fresta, tocando singularmente o abajur vermelho que por sua vez reflete em minha perna... Olhando daqui sinto como se fosse o meu sangue se esvaindo de minhas veias, meus móveis em tom de preto e branco caracterizam ainda mais a cena que vejo...

Deitado, reviro os lençóis olhando fundo na parede pintada de branco, consigo ouvir até o motorista do ônibus tamborilando os dedos no volante em plana avenida paulista,

impaciente esperando e sinal abrir...

Não me concentro, os fantasmas dos meus olhos dizem apenas o que eu quero ouvir... Minhas falhas...

Não sou contra a necessidade do homem em possuir, mas hoje me nego a participar deste enorme leilão quando este se torna alavanca impulsora para que se tenha amigos ou família... Hoje...

Mais cedo as 15:00 horas decidi caminhar, apanhei um boné e sai, achei que não me reconheceriam, não costumava sair de boné. Queria caminhar, pensar, sentir um vento, ou apenas fugir do meu apartamento que me enlouquecia ainda mais com aquele ar de “bate caverna...”.

Logo na esquina de meu bloco senti uns passos atrás de mim, leves como quem segue e quer pegar... Já com as mãos suadas não olhei para ver quem era e corri, mas os passos também correram atrás de mim, louco pedi por ajuda, foi quando senti os meu ombros sendo sacudidos por meu primo (o dono dos passos) que já não esboçava um tom lúdico na face e sim de preocupação, sentiu minhas mão gélidas e me indagou uma série de pensamentos que quero fugir... Olhei fundo em seus olhos verdes, virei e prossegui, com um gesto de quem lavou as mãos ele me olhava...

Caminhei por uma hora, em círculos, quando me senti cansado, me dirigi a uma praça que estava a mais ou menos uns 200m de onde eu estava, limpei o banco com as mão e sentei no chão, tentava resistir mas já me encontrava chorando, deitei na grama todo encolhidinho como uma criança, sozinha, sem cobertor... Devo ter dormido por ali uns 40 minutos, acordei suado, a sombra que o banco fazia já tinha saído de mim e não avia percebido, (não era por que eu estava só e arrependido que o mundo iria parar) levantei-me e tornei a caminhar.

Sentia fome, mesmo não sendo um lugar de minha preferência, decidi parar e comer.

Logo em frente ao viaduto que... Mais um de meus fantasmas...

Pedi um conhaque e pãezinhos, antes que eu pudesse encostar a mão em meu copo suado que mais parecia uma extensão do meu corpo, um tremor acompanhado de um enorme barulho o fez cair no chão, uma vasta e sangrenta cratera a menos de trezentos metros de meus pés começava a se formar, avia gritos de desespero, pessoas correndo, chorando, e muitas delas com o celular na mão ligando para o socorro, no local muitos carros parados sem alternativa de fuga, alguns se esboçavam nas faces apenas o medo e o desespero, pessoas abandonando os veículos pois o crescimento não cessava, foi quando por fim o medo de todos se concretizou, aviam vários caros encima do viaduto que não resistiu e se viu tomado pela enorme cratera, muitos não aviam ainda saído de seus carros e mergulharam mesmo sem querer na vastidão de uma garganta de pedras e escombros.

Aquela “pintura” de mutilados... O meu coração? Sentia-o pulsar em meus olhos a cada grito de desespero, a cada ultimo suspiro...

O relógio marcava 17:23 eu suava muito minhas pernas não estavam normais, sentia que poderia cair a qualquer momento, minha mão tremia, me pediam ajuda, mas eu me encontrava estático, mal respirava, não piscava...

Mesmo sem poder me mexer, eu sentia todos os ideais de minha mocidade chicoteando as minhas costas, e me perguntando incessantemente: Por que? ; Por que?

Os que estavam na enorme tsunami de pedras desesperados pediam ajuda, e todos se sentiam impotentes não podendo ceder uma única mão como auxilio, Senti como numa ópera, trágica, assistindo do camarote do rei, o mais alto, e mais longe de tocar a mão do aflito...

depois de 7mim de muita revolta e medo os bombeiros chegaram...

assim que os bombeiros retiraram a 1ª criança do buraco, ela se soltou do braço treinado do bombeiro, veio em minha direção e abraçou minhas pernas, soluçando de tanto que já chorou não parava de repetir:

-- Senho, pu favo sava o meu papai, eu pometo que não peço mais pa i trabaiar com ele... Eu juro, sava o meu papai...Quando olhei para baixo, pude ver uma criança de aproximadamente 5 anos, mal vestida com as roupas surradas e rasgadas, o rotinho todo sujo de terra com sangue e apenas um pé de uma sandalinha já velha, para todos, apenas uma criança que foi salva da cratera, e seu estado era proveniente do trauma, mas eu não... Eu sabia que essa criança não estava com seu pai de carro, ela era mais uma vitima de outros erros meus, seu rostinho de desespero eu nunca vou esquecer, era uma mistura de dor de fome, carente de escola, desespero de um filho que ama seu pai e não teria mais ninguém no mundo, aflição de morte... queria te-lo abraçado mas não me movia. Veio o bombeiro o pegou nos braços e quando ele olhou para mim na intenção de se desculpar, esboçou indignação e disse: VOCÊ!!!!...

Antes que pudesse continuar, uma lágrima lágrima desceu no meu rosto, me virei e corri, em direção a minha casa, corri chorando como nunca chorei... Pensava na face daquela criança e nas minhas inúmeras faltas de inciativa.

Chegando na frente do meu bloco me assusto, tinha uma multidão de pessoas com placas e cartazes ofensivos a meu respeito, eu estrava em prantos, quando todos me olharam, minhas pernas não resistiram e eu cai, a multidão que estava pavorosa se silenciou para me ver caído vulnerável, e o que eu menos separava aconteceu... Três manifestantes vieram a mim e me ajudaram a levantar, vendo isto todos começaram a se retirar, já em pé com a cabeça baixa fui pedindo licença até entrar no meu edifício.

Entrei no meu flat sem me importar em fechar a porta, também a essa altura não me importava mais nada a não ser aquela pequena vida de olhos aflitos. Fui direto ligar minha TV, e em todos os canais só passava a tragédia do viaduto que agora já tinha manchete:

“DESCASO, CORRUPSSÃO, DESVIO DE VERBA DESVIA A TRAGATÓRIA NATURAL DAVIDA”

Essas palavras estavam escritas com letras grandes em vermelho sengue no meio do rostinho inocente da criança que tinha abraçado as minhas pernas, ( eu nunca odiei tanto ter um aparelho de TV tão grande, parecia que as palavras entravam como flechas na minha alma ) manchete que tinha por regência do atual governador longos e permanentes insultos e alfinetadas ao ex governador... Essa pequena matéria foi sem dúvida o “CHEQUE-MATE” na minha vida, eu que me intitulava o “todo poderoso” agora não passava de mais um que se viu em um túnel sem luz no final...

A quem ainda não entendeu, nesta carta, serei mais claro, nesta carta revivo o dia que me trouxe aqui, neste momento final, mesmo sabendo que não há perdão para o suicídio, peço perdão a Deus, e não peço a minha família e amigos que me perdoem, nem que me entendam, a eles apenas deixo às 18:15 o meu ultimo adeus.

Ex Governador do estado de São Paulo/SP.

Rakowicz
Enviado por Rakowicz em 24/10/2008
Reeditado em 12/09/2009
Código do texto: T1246227
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