Gosto de você assim.

Eu gosto do seu mau humor. Do seu levantar de sobrancelha, emoldurando um olhar pequeno, de grande reprovação. Tudo isso dentro de mim é som de cuíca. Som de não sei o que. Som! Gosto dos seus olhos caipiras, do seu sorriso faceiro e mágico. Gosto da sua alegria simples e tão sofisticada. Tão terreiro, tão sacada. Gosto dos seus fios brancos, porque é com eles que eu passo tardes a fiar a seda da sua existência. São destes fios que é feita a chita da sua história. São a minha lã, onde me enrolo, feito uma felina que procura perder a vida, enforcada em um fio de prazer...

Adoro as suas rugas, porque é por elas que navego, no unguento do seu suor, e passeio pelo Brasil do seu corpo. E vou de Minas ao Sul. Das suas grutas a seus picos. E me faço vadia gaivota, a sobrevoar, à tardinha, o horizonte do seu nariz, meu magnífico rosto da Gávea.

Gosto das rolinhas que pousaram sobre o seu colo, ouriçadas sob a gaiola do véu de um tecido qualquer, sempre ameaçando um voo. E eu sempre querendo que seja em minha direção. Gosto dos seus dedos. Gosto. Principalmente quando somem pelos teus cabelos, como cinco caboclinhas escondendo-se atrás de uma cachoeira. Mas gosto deles puros também. Seus dedos nus são meu desejo. Quero ser a areia, virgem, a arder com suas pegadas...

Adoro o seu quadril a desenhar o infinito, em curto movimento. E é exatamente quando me acabo e me inicio em bendizer a Bahia, de todos os Santos. Meus Santos! Este vento que sai do seu delicado movimento tem cheiro de mar... Mariscos... Odó Iyá !

Gosto das suas pernas, porque somente as vejo em sombra. São duas odaliscas por demais esguias que serpenteiam. Não consigo descrever esse percurso. Esta metamorfose que são suas pernas... De repente odaliscas, de repente, dois arados, a mexer a terra dura e seca de suas origens. Terra dura e seca da minha vida. E de repente, pernas, outra vez. Coxa, joelho e panturrilha. Pernas adoradas, que eu queria tanto tê-las cordas, amarradas a mim.

Seu pés. Talvez a única coisa absolutamente humana que lhe pertence. Porque só sendo mesmo tão humano para caber tanta contradição. Côncavo e Convexo. E eu os amo assim... leves e sensuais, borboleteando sobre ondinhas imaginárias. Pesados, e contrastantes, para que eu posso concordar com Vinícius, ao ver neles, princípios de estátuas. Princípio e Fim. Estátua da mais humana divindade. Rainha do fogo que me queima, e do vento que me espalha.

Gosto de você assim. Porque talvez não lhe coubesse outro ofício. Assim como já não me cabem mais outros pensamentos... Assim como não me cabe outra mulher.