Pra você...

Sabe que essa noite passada, apesar de tão divertida, é também a razão de eu estar como agora estou: reflexiva, confusa, preocupada, aflita até... E mesmo com medo, muito medo, por já esperar mais ou menos o resultado de tudo isso, por experiência própria, ainda assim eu posso lhe agradecer.

Agradecer por me fazer querer ver o sol nascendo, porque esta manhã eu tenho para quem dedicá-lo. E a quem o comparar, por seu brilho e temperatura. Você é tão irradiante e quente quanto. O seu ritmo a um som qualquer me diz isso.

Agradecer por me fazer admirar as flores do meu caminho, porque agora elas têm destino preciso e privilegiado: as suas mãos. E organizá-las em um arranjo qualquer me exige o mesmo cuidado e prazer que imagino ter ao tocar você. Sua pele é tão delicada e excitante quanto as várias pétalas que por você, numa brincadeira boba de "mal ou bem-me-quer", eu arranquei. Eu sei que sequer nos abraçamos, mas é justamente o grande frio na barriga que sinto a meros 100 metros de distância que me sugere tantas outras sensações...

Agradecer por me fazer organizar meu armário de livros e cds, porque procuro nas letras das canções e nos versos dos poetas a mais fiel tradução do que é você para mim. E a encontro em uma enciclopédia botânica antiquíssima: abelha. Você, carinhosa e pateticamente, receberá esse codinome. Basicamente por me passar na boca o mel, e a minha alma ferir com seu ferrão. Estar apaixonada por você é uma doce e gentil dor.

Agradecer por me fazer arrumar minha cama todas as manhãs, porque quando acordo os travesseiros estão todos no chão e os lençóis molhados e amarrotados. Você mais uma vez visita o meu sono e brinca com meus sonhos. Diverte-se com meus sentidos. Na criativa letargia da minha visão instiga meu olfato a descobrir o cheiro de nós enquanto minha língua passeia provando seus sabores e os meus ouvidos se deliciam nas canções que se faz nas horas de prazer: ora como minuetes tiradas vagarosa e ternariamente das teclas de um piano, ora como clamores orgíacos. Meu tato indecente é o meu álibi e a minha tortura, porque é o que traz tantas fantasias mais próximas do real.

Agradecer por me fazer parecer ainda mais louca quando me vêem sorrindo ou falando sozinha pelas ruas. Agradecer pelas noites insones, como esta, porque nessas fases da minha vida é impossível não intensificar ainda mais as olheiras deixando vazar do meu peito o que quase sempre explode por dentro. E isso acontece sempre escrevendo. Agradecer pela preocupação que tenho com o momento "faculdade", por começar a tomar banho (ainda que tenha feito isso já pelo menos duas vezes no mesmo dia), escolher a roupa e os acessórios, e a usar pontualmente todos os cremes e óleos e águas de cheiro, com pelo menos umas 3 horas de antecedência. Isso é bom porque aos de casa soa como dedicação. O que não deixa de ser. Agradecer pela consulta a uma nutricionista que você já me fez marcar. Pelas lágrimas que já me fez chorar. Pelo medo de outra vez sofrer. Mas principalmente pela alegria de saber que ainda vale a pena viver.

Agradecer pelas segundas e sextas-feiras, por que eu corro todos os outros dias, e quando eu planejo uma vida inteira.

São meus vinte e poucos anos que há muito tempo não experimentavam o que é ter, ainda, vinte anos e poucos anos...