PELO CIRCUITO DAS FLORES...

Boa noite.

Tardei um pouco a lhe escrever.

Hoje bem cedo percebi que você já estava lá e fazia muito tempo que não nos víamos.

Sei que me reconheceu, embora tenha notado que você se desviou do meu caminho.

Primaveras só escolhem a beleza das flores...

Meu chão estava úmido e meus pés ainda podiam sentir as gotas de orvalho que da madrugada pousaram sobra a terra.

Parecia ter chovido, e vi seu verde, claro e fresquinho, já coroando as copas das árvores em bosques.

O parque ainda é o mesmo, e os bancos também.

Eu andava pela mesma trilha já atapetada, e pousei meus pés sobre a maciez das flores dos ipês amarelos, cujas vagens já procuravam a terra para germinar a manutenção da vida.

Mal pude ajudá-las!

Eu nunca entendi porque os ipês são tão efêmeros e sempre que lhe perguntei você nunca soube me responder.

Vi borboletas multicoloridas ziguezagueando pelos bosques, cujas cores eu já aprendi serem ilusão de ótica, orquídeas recém chegadas aos troncos das figueiras seculares, e camarões vermelhos pipocando por toda parte.

Os lírios traziam-me a mensagem da paz.

Pardais, maritacas, sabiás e bem -te -vis gorjeavam entre alguns sons que já não pude reconhecer.

E aqueles tímidos e primos raios de sol apenas se refletiam na calmaria das águas do lago, aonde marrecos aos pares deslizavam com a sua graça contrastante com a elegância dos cisnes...

Na natureza nada está sozinho.

E tudo estava perfeito, como só você sabe ser.

De súbito senti seu perfume.

Há perfumes que são únicos a enebriar nossas almas...e os meandros dos nossos corações...

Você sempre passou rápido, eu sei, e eu passei mais ainda, embora a poesia sempre lhe permita voltar.

Talvez não tenha, deveras, me reconhecido,porque há muito deixei de ser rio.

Agora sigo como riacho, quase desidratado , que rápida e silenciosamente contorna o circuito das flores, e sem destino certo, jamais saberei lhe retornar.

Sob quase um sol do meio- dia, de você me despeço, com eterna saudade.

Adeus, primavera.