CARTA PERDIDA 4


Salvador, 1/06/1999


É terça-feira como tantas já foram. É sentimento jogado na mesa, feito prato de cores fortes, degustáveis, mas que não se oferece a famintos.
Estou com medo. A lágrima me trai. Não quero chorar, sentir amor... Viver já é tão complicado! Passo as horas esticada no curtume. Sem ciúme. Sabendo e não o que se sente.
Fere mais a palavra que o gesto. E quem dera pudesse “ser feliz como no cinema”, cantando a Valsa do Batom, numa noite de lua cheia, olhos vazios.
Ando triste.
Ando catando conchinhas no mar da memória.
O corpo pede e recebe coisas que o coração precisa, mas não consente.
As mãos ordenadas daquele homem vão ficando cada vez mais em cada parte desta história, localizadas nos seios, nas coxas e até nas coisas que não toca.
Já não tenho a linha asséptica do computador.
Joguei todas as certezas fora.
E, se corro risco, vou arriscando sonhos, vontades, desejos e segredos que revelo sem querer.
Poder parar.
Parar tudo.
Dar pause.
Um pause total e definitivo cercando de inverdades todas as mentiras que vou inventando enquanto finjo que o amor não chegou e nunca vai estar.
As mãos de agora tremem.
O presente exaspera antes de acontecer.
Quando acontece já foi e não tem volta.
Aqueles lábios reais viraram areia movediça.
A paz, uma flor no deserto que procuro e não acho.
Nada é maior que este sentimento.
Nada é mais casto.
E aí cometo o meu maior pecado.
Amo o inatingível.
Amo o que toco e não está.
Depois, sou nada.
Uma dor que estraçalha os meus ossos e faz a minha saudade ser ridícula e desenquadrada.
Nesta brincadeira de tecer um filme a gente acaba sempre atravessando a história com os nossos fantasmas.
Nem sinto vontade de chorar mais.
Fui o tempo todo, todo o tempo inteira, longa como o mais querido final feliz.
E, agora, revendo os créditos, percebo que o roteiro não era o meu.
Correr risco é estar dentro desta nau, no mar sempre revolto das tuas ausências.
É remendar com saudade esta vontade antiga de te ter dentro de tudo... E de mim.
Correr risco é não poder dizer o que se sente.
É engolir a seco cada desejo, aceitar o beijo amigo quando, em meio a tudo isso,
Somente a sensação de estar só sobrevive.






Iza Calbo
Enviado por Iza Calbo em 13/09/2008
Código do texto: T1176323
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