O Desconhecido 4

Aimée, minha amiga quase distante.

Num dado fim de semana que não tardou acontecer, fiz minha mudança para uma confortável casa cor de rosa que com a ajuda de meu mestre na arte de estafeta consegui alugar, desde um Domingo já habito-na. É uma moradia bem espaçosa para quem mora só, tem um quintal grande com um pé de pinha, um pé de manga, dois pés de banana, um outro de acerola; ervas cidreiras também e uma pestiação de ervas daninhas que vão de carrapichos e favelas a cansanção.

Ainda hoje pela manhã avistei da cozinha um cagado que lentamente desbravava os poucos trechos de terra nua que sobram no quintal. E num encontro com ele, encontro esse muito pouco simpático porque ele - como era de se esperar - escondeu-se no casco, descobri que ele, "Stinking", habita um quartinho desocupado e inacabado que há no fundo do quintal. Dei esse nome a ele (palavra inglesa que acredito significar FEDORENTO, é que vi num filme) porque quando entrei na habitação de Stinking, tudo lá fedia a merda. Imagina você o que ele não fez lá.

Ao passo que escrevo, volta e meia volto a atenção para a porta do quintal, descobri agora a noite mais um ser que habita a penumbra escura e serenada do meu quintal, um sapo. Batizei-o de Sapupara em homenagem à cachaça e em homenagem a alguns amigos que costumam brincar com o nome inusitado da bebida e chamá-la “Frog stop”.

As mulheres aqui me acham atraente e sou tido como muito belo para elas, “sou um gato”. Acho muita graça em observar o modo feminino de se insinuar, é tão machista.

As mulheres ou homens que de fato moram na zona rural e vivem o cotidiano da lida com a terra apresentam uma forma peculiar de caminhar, como que lhes faltasse os joelhos – no sentido de fraqueza das pernas – eles descessem e subissem, a cada passada, sem nunca estirar toda a perna, os joelhos são mantidos dobrados a todo o tempo.

Meus calos nos pés foram sanados pelo tempo. Como se diz quando nos acostumamos com algo insalubre, mas necessário: meus calos calejaram. O que tem me incomodado são meus joelhos e justamente por isso acredito que o modo de caminhar dos matutos possa ser uma forma de amenizar o impacto nas articulações, já que eles andam tanto. Esteticamente é estranho, mas pode ser funcional.

Fui ao supermercado e comprei chocolates, amendoim japonês, vinho tinto suave de mesa, e outras coisas práticas para comer como por exemplo macarrão e sardinha. Tenho provado algumas coisas que só encontrei, até então, aqui em Queimadas, já tomei batida de gengibre e comi manuê. A primeira não só não aprovei, como não pretendo degustar nunca mais, é um tipo de suco de gengibre com cachaça que se bebe gelado, horrível. Já o manuê, aprovei. É como um bolachão redondo e doce, de mingau de milho que vai ao forno e ganha a textura de uma canjica um pouco mais firme.

Decidi experienciar essa terra e o que ela tem a me oferecer, tenho descoberto muito de mim nessa faceta. Tudo aqui me incita à poesia, ao ofício da escrita. Muitos personagens aqui, cheios de nuances e eu um deles.

Parei de sonhar com cartas e com ruas que incessantemente percorria. No quintal escuro vejo uma pequena luz que brilha forte-e-fraca-forte-e-fraca por entre as folhas das minhas árvores e das árvores do vizinho do fundo, embora saiba que a alternância do fluxo de força da luminosidade se deva ao movimento da minha cabeça, me convenço a crer que há alguém que à distância me observa, alguém que me assusta e me atrai. Alguém dúbio em quem se pode ver o pejo da mentira e fingir acreditar por julgar interessante o poder da enganação e da capacidade, ou necessidade, de se reinventar. É como desejar o arquiinimigo, ou como ter desejos sexuais pelo proletário suado e xucro, só por imaginar a força e o vigor que ele deva ter e se ver deleitar na nudez e no gozo mesclado ao suor daquele ser amado e expurgo.

Imagens loucas apenas, que talvez a companhia do vinho me tenha feito aflorar. Meu prazer e encanto pelo desconhecido. O DESCONHECIDO ME É ENCANTA-DOR.