aquel que foi pai.
Comentam as paredes: teu pai esqueceu-se do rumo da vida. Do ritmo pausado, do benfazejo candor.
- tens fome de deus? – pergunta ele. Na mesma cadeira, sentado desde faz já dois anos, no mesmo local onde o odor a fármaco inunda uma noite que não se da como a certeza da alva ter vindo há horas certas. Voltar e seguir também na aurora ate um novo dia.
Murmuram que o pai trocou relógios em seu débil cérebro.
- e muito voam as andorinhas, muito voam sobre o pomar. Será o médio dia do jantar? – comenta a janela a vez que respira com a dificuldade dois tubinhos de plástico colados ao nariz.
Habita no alem, onde às vezes o sol é redondo: como caminho luminoso tem pouco sentido em percorrer tanta noite apegada a sua mente. Mas meu pai supõe volumes no branco de que nunca foi cego.
- Só dois homens, Daniel, só dois homens eram capazes de subir a encosta da moa, com um feixe cheio sem parar. Só dois, Daniel, só dois: Damião mais eu.
O pai teve esses modos de encarar o sofrimento. Sempre um mesmo local: a aldeia de nascença.
Conheço o cheiro dos campos, húmidos, condensado em certo aroma pairando sobre a terra. E no verão as noites de lua cheia para a casa se refrescar com alento das estrelas, que sabe a desejo e abandono, suor curado na pele. Com nos, família, na varanda debatendo os sonidos que da floresta ainda vem, esses si chegam como assobio no delicio das primeiras e grandes sombras.
O sol no verão, como a chuva do outono e o gelo de inverno tiveram em ele lembranças que asfixiam fugidas, e em alguma ocasião necessidade de ser vencido. Não se destroçou, apagou a tela do seu vidro. Um mando na mão, a TV sem vida.
-Foi naquela noite... A noite dos lobos. Meu filho eles... Diz essas coisas meu pai que ninguém nunca entende. E fixa de novo a mirada nas nuvens, como si as nuvens ao serem de algodão significassem algo: que as palavras não captam.
A casa de pedra como os sentidos dele. Um belo dia tudo mudou: a casa lá continua sem ninguém a sua espera. Nunca decidíramos como evitar vende-la, e ficou a pé da urze ao lado direito da figueira que nunca morre. Ficou como os anos retidos nos cascalhos do sótão. Porque um belo dia aconteceu alguém trazer notas de euro numa mala preta.
- Sei pai, que não percebe com nitidez a realidade...
- assusta reconhecê-lo num homem tão novo... Falavam por ai, de os sem sentidos cumulados pelas falhas do inacessível cérebro. De um lado para outro com lacunas que o levaram a esquecer o nome que tente impor as cousas mais apagadas, que agora lhe são estranhas.
Vendemos a casa, deitamos cada mês ao pai em cada uma das quatro camas, onde os seu filhos fizeram amor e agora é um quarto abandonado por cada família.
E no final duma rixa certamente decidíramos bem, pero que muito bem: atirá-lo a este sótão num residência ameigada de velhice.
Continuara ...