O Desconhecido 3

Aimée, minha amiga quase distante.

Estou menos saudosista hoje, tenho medo de estar ficando adulto. Os adultos parecem seres inatingíveis e insensíveis, não quero ter a obrigação de ser pouco e de poucos amigos.

A parede do meu quarto aqui parece ser de glacê, acho que pela forma disforme no modo como ela foi rebocada, em que os cantos acabam formando arestas não retilíneas e os cantos voltados para fora (as quinas) não são... Como posso dizer?... São arredondados como as quinas de um bolo de casamento, é isso. Como houvesse o risco de uma criança bater a cabeça e machucar-se. Antes, mesmo antes de estar aqui já tinha feito a observação do porquê das cores claras, e em especial a cor rosa, parecerem macias. Pelo menos a mim parecem, é como ver uma parede ou uma pedra pintada de cor rosa e imaginar que posso morder ou afundar as mãos naquele objeto acolchoado. Falando em cores, fiquei curioso por saber o nome da cor que Ziraldo dera ao tom lunar esmaecido que a terra do cemitério te fez rememorar.

Meu tempo aqui vem sendo contado em semanas, não me precipito em contar as horas ou os dias porque sei que no começo serão horas e dias de muita solidão. As semanas não, as semanas são de trabalho e de espera pelo fim de semana. O que percebo agora não preencher a solidão, mas ao menos me distrai e engana um pouco pensar assim. Chega de saudade! É a minha vez de fingir ser adulto e pseudo-intelectual.

No banheiro da pensão tem uma pequena janela em combongó por onde posso enxergar o verdor do quintal balançando ao ritmo do vento. E enquanto a fria água me envolve o corpo nu da cabeça aos pés e posso sentir o cheiro da natureza, o som do vento balançando as ramas num som de falsa chuva e sentir o fartum do meu corpo suado e da água salobra a se misturar e dissolver no perfume artificial e doce do sabonete, consigo pensar em zilhões de coisas ao mesmo tempo, coisas que quase nunca são daqui, estou aqui de corpo, mas a alma... Sinto-me em Vanilla Sky.

Escondidinha é o nome da gatinha que também habita a casa-hotel, ela é tão mimosa, vive miando o dia todo, pedindo carinho, pedindo comida e saciando a cada miada os seus desejos animais. Nós é que temos de podar os desejos animais em prol da civilidade... Também quero carinho!

Não tenho a liberdade de podar fitar no espelho o meu corpo nu e esse é um habito que sempre tive, não tenho um espelho privativo aqui. Quem merda inventou que temos de nos ver no espelho antes de nos apresentarmos aos outros?

Buscar o reflexo perfeito no outro daquilo que não somos. Poucos têem a coragem da apresentação inteiriça de si, eu não tenho... Ainda.

O dia encerrou belo e límpido, como são os dias aqui. Uma conversa de comadres na cozinha da casa-hotel e cada um sorrateiramente apresentando ao outro o côncavo reconvexo que quer ver refletido. Belas imagens, todos nós belas imagens. E só?

Fica bem também!