Pena que não dá prá ouvir
Minha querida, não imaginas o quanto agradeço tua visita e teu interesse em ler alguns desses meus textos áridos. Outro dia recebi um e mail de uma querida, muito querida e doce, que me dizia ter visitado minha página com todas aquelas palavras difíceis e não ter entendido nada. Disse ainda que precisaria antes galgar muitos degraus de leitura e instrução para me compreender. Eu fiquei tão triste... Tive a clara sensação que estava numa torre de marfim onde nem meus ossos se integravam à minha própria carne: desintegrada, isolada, desamparada, morta, gélida, a zilhões de milhas de qualquer troca e contato afetivo com as pessoas que amo ou poderia amar melhor se me fizesse compreender melhor.
É, minha querida, eu sei que sou incorrigivelmente inaccessível em minha maneira de escrever, um tanto elitista, suponho, mesmo que me sinta ainda muito distante dos grandes escritores da História. E sei também que não tenho feito esforços para remediar esse destino ingrato e justamente pelo fato de não saber como; é-me tão natural escrevinhar, eu o faço como se tivesse nascido escrevendo. Não imagine que não erro e muitas vezes não tenha que consultar o dicionário. Eu o faço com freqüência. As crases, as concordâncias, esses espinhos do ofício que, no entanto, são degraus desafiantes ao crescimento e aperfeiçoamento. Mas eu gostaria de estar mais perto de todos, mais transparentemente inteligível, falando das coisas simples do cotidiano, com as asas cortadas e colada ao chão. Uma aventura inestimável de comunhão com tudo e todos, uma utopia inalcançável e ainda assim e provavelmente por isso mesmo tão almejada.
Daí que o áudio talvez pudesse ajudar. Então ouvirias o tom de quando falo dessa fé ridícula que é adotada pelos pequenos do mundo inteiro, essa fé cristã absurda que é acolhida no coração dos simples -essa fé é justamente a ponte que me une a todos os despidos de requintes do mundo, que me introjeta no mundo cotidiano dos desvalidos, que me faz sentir pulsante e humana, mortal e corruptível e acima de tudo viva. Tu poderias, minha bela, perceber um pouco de doçura em minha voz impessoal e cansada. Uma chama que aquece brandamente o coração estaria presente em um tom caloroso quando menciono essa fé e a Igreja que a carrega e a vem suportando apesar de todas as infâmias e escândalos, de toda a violência e vergonhosos eventos ao longo de uma História contraditória e fascinante.
Por isso, minha amada - e imagino-te uma jovem cheia de ardor por um mundo diverso e melhor, o mesmo ardor que insuflou a intrepidez apóstolica, que inspirou um Francisco de Assis, que atiçou Tomás de Aquino a esbravejar com um tição à mão -, eu te digo agora com todas as letras, como o faço quando contrita e publicamente recito o Credo que há séculos vem sendo repetido por todos os tipos de gentes ao redor do mundo: amo minha Igreja, creio que os fatos ridículos confirmados pelo Dogma aconteceram na História como uma resposta amorosa de Deus aos sonhos mais recônditos do coração humano, dentre eles, o de divinização da Humanidade. E sim, querida, amo essa Igreja imperfeita, em sua glória e sua vergonha, como amo a mim mesma em meus devaneios e minhas angústias ou equívocos mais inconfessáveis. E ofereço-te o meu amor na incompatibilidade, assim mesmo, ainda que me olhes espantada e rejeites como infantilidade minha postura excêntrica, sim, ofereço-te, na diversidade de opiniões, o meu amor cristão.