CARTA A INIMIGA CAMUFLADA
Não sei a cidade. Quarta-feira, final de julho de 2008
Oi amadinha,
Não tivemos a oportunidade de nos despedir, muito menos conversar sobre a forma como você – feito ladra habilidosa – entrou na minha casa, comeu da minha comida, deitou na minha cama junto como o meu então marido, hoje seu. Não tivemos porque certamente não havia nada a ser dito.
Lembro das suas constantes crises de desculpas, seguidas da garantia de que a sua amizade era “fraternal”, pois havia entre vocês a questão de sangue. Se bem que, primo de quarto grau não chega a ser um empecilho para nada. Nem mesmo de primeiro. Quem, criança, não teve paixão anunciada por um priminho? A diferença, no caso de vocês, foi como esta “paixão” se desenvolveu. Vocês faziam amor, quando eu nem sabia como uma criança vinha ao mundo. Eu, débil. Vocês, precoces e avançados demais.
Só lamento ter, por alguns instantes, tentado mudar a visão que tive de você desde o início. Uma amiga me disse: - Sua inocência chega a ser comovente. Ela talvez tenha razão. E foi por esta inocência que você encontrou as portas da “nossa” casa aberta e eu sempre gentil para recebê-la. Mas tudo tem um preço. Espero - aliás, não espero -, clamo todos os dias para vê-la pagar por esta coisa abominável. Por você ter me envolvido para depois dar o bote fatal.
Você não traiu somente a mim. Traiu um monte de gente. Mentiu, voltou a ser criança como desculpa para passar por cima de todo o bom senso, de toda a sensatez esperada de alguém tão cheia de princípios. Não posso nem me dar ao luxo de te xingar, muito menos me agrada ver o teu nome, mesmo quando ele não lhe pertence... Tenho pensamentos horríveis e não pretendo me igualar a alguém tão desprezível. Sei. Não tenha dúvida. Você pouco se importa com o que sinto ou penso. Nunca se preocupou.
Você queria o homem com quem eu estava. E conseguiu. Não pelos seus lindos olhos! Simplesmente porque ele nunca esteve comigo, do mesmo modo que não está do seu lado como você imagina...
Este homem que diz te amar – e faz isso como quem dá bom dia – é uma farsa. Nunca deixará de ser, mesmo se esforçando para contrariar um sem-número de mulheres que já passaram pela mesma situação. Uma delas, burra e depressiva, chegou a dizer “Eu Te Amo” antes de morrer, após ter sido deixada por ele. As últimas palavras desta mulher, ele guarda ao pé da alma e não da orelha. Ele nega, mas o filho dela – ele sempre se diz pai de filhos alheios – acompanhou a história e não quer sequer ouvir falar no nome do algoz da mãe.
A menina por quem ele se apaixonou e, por isso, deixou a referida mulher, tinha 17 anos à época. Fizeram sexo fundamentado no tranta; acamparam; planejaram até casamento. Mas ele foi dar um passeio em Barcelona e ficou lá. Nas cartas por ele guardadas – a suicida e a sucessora – se mostravam ainda apaixonadas e se colocavam à disposição de ir encontrá-lo em país estrangeiro. Ele aceitava. Ele retornava as missivas num tempo ainda sem e-mails.
Eu mesma cansei de escrever cartas a pedido de uma amiga, namorada dele também. Tive meus tempos de Central do Brasil, pois tinha a facilidade de expressar sentimentos de maneira envolvente e ganhava uma grana na faculdade para amar no lugar de outrem. E lia as respostas dele para ela. Um homem tão apaixonado. Por ela, pela irmã dela e, depois, também por mim.
Se você não manteve correspondência nestes tempos de exílio espontâneo, foi tão somente porque você estava com outra pessoa. Você passou 17 anos com esta pessoa e nunca deixou de querer estar com este seu priminho safadinho, seu primeiro homem não é mesmo? Então, tente ser a última mulher dele, porque segundo ele próprio, as mulheres quando não são a primeira querem ser a última na vida dos homens. Tomara que a meia-idade de vocês ajude de alguma maneira para que um prepare o funeral do outro.
Só não morra antes de ser traída, porque aí não vai ter a menor graça. Pelo menos para mim. Morta, ele não deixará nem esfriar os teus restos... O tempo corre contra ele. E ele sabe disso. Ah, cuidado com sobrinhas, amigas, colegas de trabalho... Nos bons tempos, ninguém escapava do canastrão sedutor. Eu sou ainda testemunha viva disso. Eu que jurei nunca mais acreditar nas palavras melosas de um homem, cai na arapuca deste Don Juan de papel.
Mas voltando a nós, e este era o propósito, torça para nunca nos encontrarmos onde quer que seja. Não vou precisar lhe dirigir palavra. Se seu olhar cruzar o meu, supondo ser você um pouco inteligente, será o suficiente para você buscar o ar. É moça, no subterrâneo onde vocês vivem, basta um olhar de alguém usado (a) para os seus propósitos... Talvez assim você enxergue uma réstia de luz. Pálida, porque onde vocês estão até o riscar de um fósforo pode ser um grande acontecimento. Vocês não podem enxergar sol nem lua. São seres putrefatos... E fedem.
Fica com os teus fantasmas e pega os dele emprestados para quando faltar companhia.
Iza.
Não sei a cidade. Quarta-feira, final de julho de 2008
Oi amadinha,
Não tivemos a oportunidade de nos despedir, muito menos conversar sobre a forma como você – feito ladra habilidosa – entrou na minha casa, comeu da minha comida, deitou na minha cama junto como o meu então marido, hoje seu. Não tivemos porque certamente não havia nada a ser dito.
Lembro das suas constantes crises de desculpas, seguidas da garantia de que a sua amizade era “fraternal”, pois havia entre vocês a questão de sangue. Se bem que, primo de quarto grau não chega a ser um empecilho para nada. Nem mesmo de primeiro. Quem, criança, não teve paixão anunciada por um priminho? A diferença, no caso de vocês, foi como esta “paixão” se desenvolveu. Vocês faziam amor, quando eu nem sabia como uma criança vinha ao mundo. Eu, débil. Vocês, precoces e avançados demais.
Só lamento ter, por alguns instantes, tentado mudar a visão que tive de você desde o início. Uma amiga me disse: - Sua inocência chega a ser comovente. Ela talvez tenha razão. E foi por esta inocência que você encontrou as portas da “nossa” casa aberta e eu sempre gentil para recebê-la. Mas tudo tem um preço. Espero - aliás, não espero -, clamo todos os dias para vê-la pagar por esta coisa abominável. Por você ter me envolvido para depois dar o bote fatal.
Você não traiu somente a mim. Traiu um monte de gente. Mentiu, voltou a ser criança como desculpa para passar por cima de todo o bom senso, de toda a sensatez esperada de alguém tão cheia de princípios. Não posso nem me dar ao luxo de te xingar, muito menos me agrada ver o teu nome, mesmo quando ele não lhe pertence... Tenho pensamentos horríveis e não pretendo me igualar a alguém tão desprezível. Sei. Não tenha dúvida. Você pouco se importa com o que sinto ou penso. Nunca se preocupou.
Você queria o homem com quem eu estava. E conseguiu. Não pelos seus lindos olhos! Simplesmente porque ele nunca esteve comigo, do mesmo modo que não está do seu lado como você imagina...
Este homem que diz te amar – e faz isso como quem dá bom dia – é uma farsa. Nunca deixará de ser, mesmo se esforçando para contrariar um sem-número de mulheres que já passaram pela mesma situação. Uma delas, burra e depressiva, chegou a dizer “Eu Te Amo” antes de morrer, após ter sido deixada por ele. As últimas palavras desta mulher, ele guarda ao pé da alma e não da orelha. Ele nega, mas o filho dela – ele sempre se diz pai de filhos alheios – acompanhou a história e não quer sequer ouvir falar no nome do algoz da mãe.
A menina por quem ele se apaixonou e, por isso, deixou a referida mulher, tinha 17 anos à época. Fizeram sexo fundamentado no tranta; acamparam; planejaram até casamento. Mas ele foi dar um passeio em Barcelona e ficou lá. Nas cartas por ele guardadas – a suicida e a sucessora – se mostravam ainda apaixonadas e se colocavam à disposição de ir encontrá-lo em país estrangeiro. Ele aceitava. Ele retornava as missivas num tempo ainda sem e-mails.
Eu mesma cansei de escrever cartas a pedido de uma amiga, namorada dele também. Tive meus tempos de Central do Brasil, pois tinha a facilidade de expressar sentimentos de maneira envolvente e ganhava uma grana na faculdade para amar no lugar de outrem. E lia as respostas dele para ela. Um homem tão apaixonado. Por ela, pela irmã dela e, depois, também por mim.
Se você não manteve correspondência nestes tempos de exílio espontâneo, foi tão somente porque você estava com outra pessoa. Você passou 17 anos com esta pessoa e nunca deixou de querer estar com este seu priminho safadinho, seu primeiro homem não é mesmo? Então, tente ser a última mulher dele, porque segundo ele próprio, as mulheres quando não são a primeira querem ser a última na vida dos homens. Tomara que a meia-idade de vocês ajude de alguma maneira para que um prepare o funeral do outro.
Só não morra antes de ser traída, porque aí não vai ter a menor graça. Pelo menos para mim. Morta, ele não deixará nem esfriar os teus restos... O tempo corre contra ele. E ele sabe disso. Ah, cuidado com sobrinhas, amigas, colegas de trabalho... Nos bons tempos, ninguém escapava do canastrão sedutor. Eu sou ainda testemunha viva disso. Eu que jurei nunca mais acreditar nas palavras melosas de um homem, cai na arapuca deste Don Juan de papel.
Mas voltando a nós, e este era o propósito, torça para nunca nos encontrarmos onde quer que seja. Não vou precisar lhe dirigir palavra. Se seu olhar cruzar o meu, supondo ser você um pouco inteligente, será o suficiente para você buscar o ar. É moça, no subterrâneo onde vocês vivem, basta um olhar de alguém usado (a) para os seus propósitos... Talvez assim você enxergue uma réstia de luz. Pálida, porque onde vocês estão até o riscar de um fósforo pode ser um grande acontecimento. Vocês não podem enxergar sol nem lua. São seres putrefatos... E fedem.
Fica com os teus fantasmas e pega os dele emprestados para quando faltar companhia.
Iza.