CONTEMPORANEIDADE NO VERSO E NA PROSA

(para Erode Lino Leite, instigador literário, em Campo Grande/MS)

Amigo estimado e assíduo ao meu coração!

Compreendo que mais gostes de minha lavra derramada, intimista, por vezes, se bem que cuido pra que ela não seja somente isto.

É ao que estás acostumado desde criança, pelos ouvidos e pelos olhos, vale dizer, pela radiofonia e pela imprensa escrita e, há cerca de quarenta anos, pela televisão.

Mas, olha bem, estou fazendo e falando de prosa, linguagem aberta, quase não codificada, cifrada. Poucas metáforas, palavras bonitas (algumas inusuais, fortes), e uma lá que outra figura de estilo. Nesta coloquialidade escrita aparece algum ritmo inespecífico.

Sensivelmente diferente daquele ritmo que está impregnado na poética, que é da sua natureza, de sua especificidade, dependendo do tema, da ênfase que se quer dar a esta temática, do andamento rítmico próprio de cada vocábulo, arrastando a cadência própria de cada palavra, principalmente quando se tratam de polissilábicas.

É curioso de ver como uma palavra tetrassilábica, com acentuação na primeira sílaba, tem pronunciação rápida como se fora um dissílabo. O andamento rítmico exige acuidade por parte do leitor, força-o a ter cuidados para que haja boa percepção de sua carga própria, peculiar, e do sentido do que o autor quer dizer.

Também depende das figuras plásticas que ornam o quadro lavrado. O leitor, por vezes, se embasbaca, enrosca-se na teia das palavras. O lapso de tempo para perceber o que elas querem dizer é mais ou menos demorado. É, no mínimo, diferenciado entre uma e outra.

No leitor ou no ouvinte não há uma percepção imediata do que se está a ler ou a escutar, nem ocorre uniformidade, mesmo que a atenção seja similar. É na palavra, na sua individualidade, que está o mistério desta percepção.

Quando trato de fazer poemas – ISTO QUANDO CONSIGO CHEGAR À POESIA – sei que tenho de trabalhar com correção gramatical e lingüística, ritmo, sugestionalidade, imagística e transcendência, sem fazer concessões à silabação fônica, rimação e a determinadas circunstancialidades plásticas “batidas”, quer dizer, de uso reiterado por outros autores. Também ter cuidados com termos e vocábulos gastos pelo uso.

É diferente, portanto, a linguagem. É o novo frente aos olhos e ouvidos. É o novo fazendo escola, pedindo passagem!

O teu meio literário ainda é parco, predomina a velha escola. Mas não é diferente de quase todas capitais do país. O perfil é similar em tudo.

O que tenho para mim como o NOVO aí em Campo Grande é o esforço da Fundação Municipal de Cultura no sentido de prover recursos financeiros e logísticos para a realização de eventos e oficinações aos escritores locais, com vistas ao aprimoramento. Isto, por certo, fará com que surja uma plêiade de bons valores em prosa e verso para os próximos vinte anos.

O que percebo nitidamente, no teu caso pessoal, é que estás lendo pouco, apenas escrevendo muito. Isto também é bom – essencial porque do ofício –, mas perigoso, porque não te impregnas do contemporâneo, ficas no que está no inconsciente coletivo.

A linguagem poética avançou muito nos últimos cem anos. Ganhou síntese, dilargou sentidos e ampliou compreensões. O derramamento, em Poesia, é coisa fora dos códices atuais.

Tanto é que nasceu a classificação de poemas em prosa ou prosa poética, que não existiam alçados a gêneros ou espécimes literários. Era o pré-modernismo caminhando para os cânones da contemporaneidade.

Se Fernando Pessoa, Vinicius, José Régio, Mário Sá Carneiro, Clarice, Cecília, escrevessem hoje o que publicaram há mais de 50 anos, estariam ultrapassados, fora dos cânones atuais.

O mundo atual é um ciclone! Ou achas que a Arte não copia a Vida no seu ritmo alucinante? Compreendes?

Tenho quase sessenta anos, faço uma força danada pra ser arauto do novo, do CONTEMPORÂNEO, mas acumularam-se-me incontáveis informações que formam o passado, e elas vêm à tona licitamente, sem censura!

Nunca fui censor do estético, porque este é o meu conjunto de vida desde a primeira juventude, o Belo que acabei construindo até em período de prisão política nos tempos dos anos de chumbo!

O espírito-escritor que me habita não escolhe gêneros ou espécies literárias, apenas cochicha o que está alfinetando o cérebro.

O estético me permite recriar o mundo, superar o que eventualmente me agride. Este é um feixe de vívidas verdades, minhas pequenas verdades experimentadas.

Bem, o gosto estético do leitor é outra coisa! Depende dele.

Para visualizar o novo, é preciso que se tenha a materialização dele, que se o veja antes. Mas que é bem mais fácil gostar daquilo que se conhece, é outra concreta verdade!

Todo leitor é um navegante! O autor tem de navegar antes dele, mostrar-lhe o caminho, indicar que outra senda é passível de ser construída.

Matisse, Picasso, da Vinci, Dante Alighieri, Salvador Dali, Oswald de Andrade, Drummond, João Cabral, Federico Garcia Lorca, Shakespeare, Esra Pound, Walt Whitmann, T.S. Eliott, Edgar Allan Poe, Jack Kerouac, Gregory Corso, Allen Ginsberg, Lawrence Ferlinghetti, ao seu tempo de iniciantes, nunca foram compreendidos!

Eram artistas do verso e da arte plástica. Vaticinavam para além de sua época!

– Do livro CONFESSIONÁRIO - Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/107811