Nosso Amor... II* Elton das Neves//Edna Lopes

Nosso Amor...*

Parte II - O sonho

Hoje ainda, algo inaudito me aconteceu. É possível, minha querida, que nem acredites. Depois que saístes para o teu trabalho, voltei a dormir, já que dispunha ainda de algum tempo. Tive um sonho incrível e, não me perguntes por que, sei que algo fantástico aconteceu. Sonhei que uma intensa luminosidade tomou conta do nosso quarto e tal intensa luz tomou a forma de uma linda mulher. Meu Deus!Ao vê-la não senti medo, o que seria natural em um caso como aquele, numa situação tão antinatural. Pela aparência, a mulher devia ter uns vinte anos, vestia uma túnica estampada com rosas vermelhas, que ia até a altura dos joelhos. Seu cabelo ondulado vinha-lhe até a altura dos ombros, sua cor era de um loiro deslumbrante. Seus olhos eram azuis. Impossível não pensar no azul do céu, ao olhar para eles.

Ao seu redor, uma miríade de pequenos cupidos, com o tamanho de crianças de cinco anos de idade encheu nosso quarto. Suas presenças é que trazia uma luminosidade misteriosa e envolvente e nunca entenderei como eles todos puderam caber no nosso quarto.

Eu já havia visto aquela mulher em algum lugar e àquela altura dos acontecimentos, tinha quase que certeza, mas de onde? Foi quando um estalo em minha memória se deu, sim é claro!Eu já havia visto a figura daquela bela e jovem mulher, em um livro sobre artes plásticas, numa tela de SANDRO BOTTICELLI** e era AFRODITE, a deusa do amor, cercada por luminosos cupidos que carregavam pequenos arcos e flechas em suas diminutas e rechonchudas mãos.A deusa estava ali, parada, bem no meio do nosso quarto, me dirigindo o mais lindo sorriso que já vi em toda minha vida.

A deusa, em um gesto suave e delicado, faz com que uma harpa se materialize em suas mãos e, sentando-se graciosamente à beira de nossa cama, começou a dedilhar a harpa que parecia ser feita de ouro reluzente e suas cordas musicais prateadas, de um brilho intenso e ofuscante. Sua delicada boca rosada entoou uma canção de uma beleza indescritível, com uma letra que falava do mais puro amor entre duas pessoas.

O mistério da letra desta canção, é que não consigo dizê-lo á ti ou a nenhuma outra pessoa, minha querida, a não ser a mim mesmo. Como se a mim fosse proibido repeti-la a alguém, por isso é inútil perguntar-me o enredo daquela linda história de amor em forma de música. Entretanto, a melodia belíssima daquela canção interpretada e tocada na harpa pela própria deusa do amor, ao chegar aos meus ouvidos, me curava de toda mágoa que eu guardava de ti, por achar que havias deixado de me amar como antes. Senti que tão funesto sentimento fora arrancado, como por milagre, até as suas raízes mais entranhadas, do fundo de minha alma.

AFRODITE, ao terminar a execução de sua musica celestialmente doce e encantada, ao passar uma das mãos nas cordas prateadas da harpa, fez com que ela sumisse! E, com a mesma atitude graciosa com que se sentou à beira do nosso leito, levantou, sem ainda emitir palavra alguma. Um dos cupidos descansando ao chão arco e flecha ergueu seus braçinhos, semelhantes aos de um infante, na altura de sua própria cabeça e bateu palma, uma única vez. Para minha surpresa, ao lado direito dele, apareceu magicamente um regador de puríssimo ouro, um pouco maior que aquele pequeno anjo que o invocara do nada. Não sem dificuldade, por causa do tamanho do objeto, o cupido entrega o regador á sua senhora, que o recebe num gesto delicado em suas alvas e graciosas mãos, prestando logo depois um gesto de reverência em educado agradecimento ao seu pequeno servo de asas.

Então, outro cupido, que como o primeiro havia colocado o seu arco e flecha no chão, se aproxima da deusa e, esticando seus braçinhos rechonchudos para frente, imita o gesto mágico de seu companheiro alado. Após o estalo produzido pela bater de palma de suas mãozinhas, eis que como também já houvera ocorrido com o primeiro, um objeto subitamente aparece. Só que desta vez não se trata de um regador e sim, de um pequeno vaso da mais bela cerâmica jamais modelada por humanos. Nele estava plantada uma rosa branca, mirrada, com o seu caule quase seco, meio caído, suas pétalas murchas, sem vida.

A deusa lança á flor quase sem vida, plantada naquele pequeno vaso, um olhar triste, profundamente pesaroso. Desvia seu olhar da rosa murcha para mim e leio seu desapontamento, sem me dirigir uma palavra sequer. Fala-me através dos seus olhos azuis celestes. Meu Deus! Teria BOTTICELLI tido alguma uma visão da deusa para desenhá-la exatamente igual como eu á via ali naquele mesmo instante, ou ela resolvera me aparecer usando uma imagem sua tão conhecida por mim? Aliás, seria a única que eu compreenderia, para reconhecer na visão a imagem de AFRODITE, a deusa do amor, divindade cultuada pelos gregos que a invocavam com o nome de VÊNUS, e que os romanos ao invadirem a Grécia antiga pegando emprestado para si os deuses gregos, rebatizaram-na chamando-a de AFRODITE.

E, com os ouvidos do meu coração, sem precisar ouvir palavras externas, eu pude ouvi-la. AFRODITE me fez entender que aquela rosa branca quase sem vida, simbolizava o nosso amor, que estava morrendo! Por que nós, minha doce querida, tínhamos deixado de regá-lo todos os dias como deve ser feito, como todos os amores que sobrevivem, no mundo em que vivemos.

Ela volta seu olhar para a rosa e, segurando o regador de ouro reluzente em suas mãos, começa á regá-la. Algo incrível começa a ocorrer bem diante dos meus olhos estupefatos. Aquela mesma rosa quase sem vida que por alguns instantes eu vira bem diante de mim, foi se transformando vagarosamente. A rosa outrora murcha começa a renascer, paulatinamente. Como uma fênix que renasce das próprias cinzas, assim aquela flor, agora estava com seu caule erguido, com suas pétalas alvas e delicadas totalmente restauradas, recuperando seu viço e o brilho vivo do branco de sua natureza rosácea. Quando a deusa terminou de regá-la, a rosa erguia-se frondosa, exalando um perfume desconhecido, mas extremamente delicioso.

O olhar já não era de tristeza, mas de satisfação plena, acompanhado por um sorriso de beleza tal, que palavras humanas não podem narrar. Ainda em total silêncio olhou-me mais uma vez com aquele olhar que consegue dizer mil coisas sem a necessidade de se usar a fala, exprimido verdades e sentimentos que tinham a precisão de flechas velozes e pontiagudas, que me davam a sensação de estarem sendo atiradas diretamente no meu coração.

Acordei sobressaltado e, em frações de segundos, minha vida contigo, passou como um filme bem diante dos meus olhos e pude reconhecer todo o nosso erro: deixamos de regar o nosso amor.

Sim, nosso erro minha querida. Nós temos responsabilidade nisso. E como isso ocorreu? Quando ocorreu?

CONTINUA...

*Texto adaptado por mim a partir da prosa poética “O Regador do Amor”, da autoria de Elton das Neves, o Anjo das Letras (http://eltondasneves.blogspot.com/), um amigo recantista. A seu pedido, reescrevi o texto preservando a idéia, o enredo, os personagens e todo o “clima” intimista que havia no texto, mas agregando ao mesmo, meu estilo de escrita, um refletir e um olhar feminino. Elton me deu “carta branca”e fiz bom uso dela!

Enfim, uma produção a quatro mãos. Gostei do resultado. Torço para que gostem também.

Elton, obrigada por sua confiança!

**Sandro Botticelli: Alessandro di Mariano Filipepi, mais conhecido como Sandro Botticelli-( Florença,1 de março de 1445- 17 de maio de 1510), pintor italiano da escola florentina no começo do renascimento. A tela citada no texto é a famosa pintura denominada “O nascimento de Vênus”

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