Carta a um Amor - IV
Tenho tentado controlar a ânsia de te escrever. Parece que tudo que eu falar, soará como repetição, frases enfadonhas, de quem sempre está a esperar! Nem sempre me contenho...sou acometida por esta inquietação nas mãos. Talvez escreva para enxergar o meu revés, descobrindo as senhas que não revelo a mim mesma. É que a minha palavra é atrevida e até cruel. Expõe a minha pele e se precisar, sangra-me. Tenho mesmo a alma aberta e o peito em fratura exposta.
Lia Neruda e lembrei-me de ti, de mim...não sei se devo falar em nós. Não sei se nós existimos, ou se te fiz minha melhor fantasia. Apenas continuo a dormir, para te encontrar. Sou afeita aos sonhos e tenho os olhos guiados por luas que me espreitam o coração. Tomam-me em momentos quaisquer. Não sabem das determinações do tempo e do calendário que rege dias com compromissos, tarefas e atividades. Desorientam-me em suspiros matutinos, quando o sol já abraça o mundo. Parecem não perceber que já não tens vindo e que ainda não voltaste. Bem que elas tentam se disfarçar: dias, minguante, cheia; outros, quarto crescente, lua nova...talvez queiram te surpreender, imaginando-te à espreita. Luas e amantes não devem ser levados à sério. Ou devem?
Continuo sem saber o que fazer, quando me ocupas o pensar. É a tal química do amor a dizer-se presente, como querem os cientistas de plantão. Diria apenas, amor...àquele que cantava Vinícius, Drummond, Neruda e a minha bela Flor Espanca.
Minhas mãos, a despeito do tempo, ainda guardam carícias...já havia escutado que a ausência é atrevida. Nunca gostei dos ditados. Em sua maioria, limitam, aprisionam ações, distraindo a capacidade de pensar. Ando a caminhar pelas dúvidas. Mas voltando a máxima, acima...Tolices, de quem nunca se deixou tocar pela possibilidade de amar. Nem desconfiam do desejo que aflora, pelo que não existiu de fato. Desconhecem o ardor dos lábios a quererem provar de um beijo prometido ou de abraços estendidos em inanição de outros braços. Será que o amor sempre precisa de tato, visão, cheiro e paladar? Alheamentos de quem só sabe sentir, embora nem sempre compreenda...
Sinto saudades e continuo sem decidir, o que fazer com a intimidade de estares em mim, ainda que sejas este gosto do desconhecido, ausente de alguns dos meus sentidos formais.
© Fernanda Guimarães