A MANHÃ QUE RAUL SEIXAS DISSE "BOM DIA, SOL"
No final da década de 70 estive por diversas ocasiões na cidade de São Paulo em buscas de produtos para a loja de confecções que a família tinha no sul e fazia meus lanches numa padaria que era freqüentada pelo cantor Raul Seixas que, ali pelas 9 horas da manhã, dava seu ar da graça para tomar vodca com suco de laranja ou suco de tomate, que segundo o próprio, era para “rebater, reforçar” o organismo. Ele residia num daqueles prédios ali pertinho e chegava com a cara fechada, não era de muita conversa e nas raras vezes que resolvia abrir o bico, reclamava de empresários que lhe cancelavam apresentações.
Mal vestido, geralmente de chinelas, um roupão que não dava para dizer se era um abrigo ou um pijama ou as duas coisas, cara de quem passara a noite em claro, cheirando urina (sim senhor!) e algo que na época, me era difícil definir, sempre com seus óculos grandes e escuros me dava à impressão ser apenas um sósia do cantor que eu admirava, mas que o gerente do estabelecimento me confirmou ser ele sim.
Numa sexta-feira, me preparando para voltar à minha cidade, fiz o último lanche e diante da pergunta do meu atendente de quem me tornei amigo, garanti que estaria de volta dali uns 90 dias.
- De onde você é? – perguntou-me com uma voz arranhada e com os cabelos desarrumados o grande Raul. Contei-lhe. Respondeu que já havia feito um show lá.
- Mentira! - foi o que me veio à mente, mas preferi não lhe desabonar diante das pessoas que ali estavam.
- Tá na hora de voltar pra cantar pra gente lá - disse-lhe.
Senti que aquilo lhe satisfez, pois um sorriso de contentamento lhe brotou na face pálida.
100 dias depois, desta vez em companhia de quem mais tarde se tornaria meu cunhado, estavá-mos na dita padaria numa manhã em que o sol teimava em não aparecer. E Raul, na mesa de sempre, beliscando uma vodca e, estranho pra mim, desta vez comendo um tomate regado a sal. Um freguês entrou no recinto e querendo ser amistoso, disse: - Bom dia, Raul. E ele de pronto perguntou: - Bom dia por quê?
Deu para sentir o clima.
Minutos depois o sol começou a dar sinal que viria para ficar. Foi quando, assim de lampejo, eu disse: Bom dia, sol!
- Bom dia, sol - isso é poético! – disse Raul pra minha surpresa.
- Pode virar música!
Girei a cadeira para seu lado e acrescentei todo orgulhoso: - Tomara!
Alguns anos depois viajando pelo interior de Santa Catarina, eis que ouso no rádio do carro a voz inconfundível de Raul Seixas cantando “Bom dia, sol” (Coração Noturno), com letra e melodia melancólica como àquela manhã. Meu cunhado está vivinho da silva e não se cansa de contar essa história, mas o que lamento mesmo é não existir naquela ocasião, uma máquina fotográfica digital. O resto não passa de detalhes.