CRUZADA PELO ASSOCIATIVISMO POÉTICO

( para Perpétua Flores, ativista cultural e poeta)

Como vai esta bela representante do espírito brasileiro radicada nessa Buenos Aires há tantos anos? São cerca de 30 anos de vida portenha, não?

Teu carinho e atenção me deixam encantado. Não pelos louvores eventuais, mas pelos gestos lhanos, amorosos, afáveis. Bem o que tu tão bem sabes ser: gentil e valorosa, com esta personalidade marcante dos que nascem nas Missões. Jamais deixaste de ter dentro de ti a mulher guerreira, batalhadora, determinada. Admiro-te.

Por esta principal razão (e só por ela já se justificaria) procuro te manter informada do que está a ocorrer no associativismo cultural e literário no Brasil.

Entenda-se: o que chega ao meu conhecimento ou naquilo que nos diz respeito e serve como elemento propulsor para nossas ações no associativismo cultural e na Arte.

Voltei do Norte/Nordeste no dia 20, depois de 55 dias conhecendo a realidade cultural e associativa de uma parte do Brasil que é riquíssima em cultura popular.

Voltei mais brasileiro, mais sul-americano, menos imperialista, menos globalizado. Meus olhos estão grandiloqüentes de Pátria, de brasileirismo sem recalques ou menoscabos.

Amei até a linguagem embolada do caboclo, do sertanejo matuto nascido do êxodo interiorano, que de seu só tem os filhos e a sua quase analfabeta palavra. Boca desdentada, só sabe rir ao visitante. Há muito pouco cuidado com os dentes. Os serviços odontológicos públicos são quase inexistentes ou muito precários. O custo destes é muito alto para o bolso dos irmãos brasileiros.

Não vi pobreza gritante, vi sim muito trabalho proletário e os governos locais investindo muito no Turismo, buscando desenvolver a sua peculiar gama de ofertas.

Constroem-se monumentais e belas obras de infraestrutura, principalmente parques de alimentação e de lazer. Depois se realizam licitações governamentais e, escolhidos os vencedores, se as entregam a pessoas físicas e a microempresas para exploração mediante locação e pagamento de preço bastante razoável ao poder concedente.

Ar condicionado sempre presente, áreas arejadas e bem cuidadas, tudo muito plástico e funcional mostrando as belezas regionais e locais. Bons preços aos usuários. Nada proibitivo para turistas. Quem quiser usar paga bem, inclusive os nativos. Classe média alta, é claro. Isto fica muito bem ressaltado em Belém do Pará e em Natal, no Rio Grande do Norte.

Na Paraíba, estado pobre frente aos seus pares nordestinos, o governo construiu, faz cinco anos, um Parque de Exposições, contendo museus temáticos, galerias de arte, bancas de artesanato, livrarias, revistarias, dois modernos teatros, etc. Mas o que chama a atenção é que este complexo ocupa uma quadra quadrada de área construída. Algo em torno de 10.000 metros quadrados!

Voltei de queixo caído, babando sobre o peito como uma criança dengosa, blusa verde-amarela.

Fundamos e/ou instalamos seis novas sedes municipais da Casa do Poeta Brasileiro: POEBRAS Recife/PE; POEBRAS Natal/RN, POEBRAS Belém/PA e POEBRAS Aracaju/SE. Em Fortaleza e João Pessoa/PB houve somente a designação de coordenadores para a instalação de futuras sedes.

Deverá ser instalada em breve a POEBRAS Maceió/AL. Iniciamos os contatos com o pessoal local.

Naquela territorialidade, da Bahia pra cima, só tínhamos sedes da POEBRAS em Campina Grande/PB, criada em 2002, e em Salvador/BA, em 1988. Agora são dez sedes e incontáveis ativistas recolhendo o espírito popular, sua inventiva e criatividade.

Tudo sem um tostão de dinheiro público, ao menos por ora, tudo obra de organizações não governamentais. Depois de organizados, agiremos coletivamente, com representatividade junto ao Ministério da Cultura. O ministro Gilberto Gil vai nos ouvir "cantar de galo"! Por certo teremos projetos para o fomento de eventos e publicações de nossas criações!

Grato por nos manteres informado também sobre o que estás a fazer por aí, na Argentina. Tenho falado com Maria Clara Segóbia, da Casa do Poeta Rio-Grandense, que está nos pondo a par de tua ingente luta por aí no periodismo, na radiofonia e no associativismo. Toca o barco, a cultura sul-americana precisa mais e mais de teus esforços. Todos os idealistas são muito bem-vindos!

A propósito: ainda não é a hora de tornarmos verdade plena a CAPOLAT - CASA DO POETA LATINO-AMERICANO, sede de Buenos Aires? Vais perder o trem da história? Que tal uma Coletânea Internacional (bilíngüe) da CAPOLAT?

Acho que Maria Clara toparia a coordenação da coleta dos textos e dos trabalhos de congeminação de arte plástica e poemas. Tudo cuidadosamente publicado em obra cooperativada.

Obrigado pelas referências ao bom vinho de minha poesia. Aprendo sempre. E tento distribuir o que vejo. Ninguém chega impune aos 60 anos e aos 33 de publicação em livro individual.

Não sei o que ficará desta imensa luta pela Cultura e pelo fomento das inter-relações entre os criadores, principalmente na Poesia.

Os seguidores inexoravelmente contaminados pelo desafio registrarão presente e futuro e o associativismo postergará a sua história de lutas.

De uma coisa eu sei: os sapatos estão gastos. Ainda bem que trouxe um par de novas sandálias compradas no Mercado Público de Fortaleza. O calçado tem solado bom. Não doem mais os meus calos.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/104199