POSTERIDADE NA ARTE POÉTICA? ACEITEMOS O DESAFIO!

(para o Coronel Antonio César da Cunha Chaves, colega de turma de formação para o oficialato, na Brigada Militar)

Chaveco, amigo querido! Cheguei ontem do Norte e Nordeste, onde estive em missão cultural e associativa: criar e instalar Casas de Poetas. Passei quase 60 dias viajando. Estou atuando na coordenação nacional da Casa do Poeta Brasileiro – POEBRAS. Assumi em outubro de 2003.

Instalamos (acompanhado do veterano poeta e ativista cultural João Justiniano, nesta "Cruzada pelo Associativismo e pela Poesia") as Casas de Poetas em João Pessoa, Recife, Natal, Fortaleza (só designamos coordenador), Belém do Pará e Aracaju. Ainda no decorrer de janeiro deve ocorrer a criação da POEBRAS Maceió.

No Nordeste só tínhamos Casas de Poetas em Salvador da Bahia, de 1988, e a de Campina Grande, na Paraíba, de 2003.

Hoje temos 61 POEBRAS em 17 Estados-membros da Federação. Coordená-las é um desafio de tempo e dinheiro! Tarefa que dá trabalho. Mas gosto disto, tu o sabes, e quem corre por gosto não cansa!

Foi bom encontrar, na 51º Feira do Livro, em novembro passado, o major Vanderlei Natálio, estimado colega a quem não via há muito tempo. Agradeço a tua preocupação quanto aos encontros de turma. Avisa-me que, se for possível, estaremos juntos. Grato pela tua tentativa de apagar ressentimentos, mas o tempo é bom juiz, o melhor. Ajuda em tudo...

Quanto à passagem para a outra margem, estou fazendo a minha tentativa de posteridade, escrevendo em prosa e verso. Já vão 33 anos desde a primeira publicação, em abril de 1973.

E sobre o que ponderas sobre Poesia, tudo vai do gosto estético de cada um. Este imaginário se constrói diferentemente em cada pessoa, seu mundo, sua afetividade, sua entrega ao coletivo.

Em Poesia é assim: há véus sobre palavras. Linguagem codificada, quase sempre não explícita. Trabalha-se com o conotativo e o denotativo. As metáforas são o diferencial, no texto poético.

A fala, na linguagem coloquial, é perfeitamente entendível, é com ela que exercitamos desejos e necessidades básicas, comando aos que nos ouvem, etc. É a linguagem do Real.

Mas com Poesia é tudo diferente. É outro universo, o da eterna Arte. Nesta, psicologicamente, formando o objeto estético, está a sugestionalidade e a transcendência.

Por vezes, este universo é quase surrealista. É a realidade travestida, transportada a outra dimensão.

Prefiro, em arte poética, a experiência mais maluca, mais desordenada, execrável aos padrões do gosto convencional. Sempre a tentativa do novo, em literatura.

Enfim e ao cabo, o meu amadurecimento pessoal produziu um texto que calhou ao teu gosto. Que bom que tiveste empatia e bondade para com o que eu queria dizer. Que captaste o que pretendi dizer.

Afinal, foi isto que nos ensinaram no velho curso colegial aos tempos de Centro de Instrução Militar mercê do talento de mestres e alunos (Rssss!)

– O que o poeta quis dizer? Lembras? E hoje estou convencido de que não há pergunta mais tola do que esta para um aluno em formação!

Mas deixa para os educadores esta questão. Não é o meu caso, que sou um criador condenado a pensar e a fazer os outros pensarem.

Com o poema CONFISSÃO E PENITÊNCIA, segundo o Professor Doutor Volnyr Santos, ao publicar a peça, em 1979, um iniciante – poeta-soldado – recém-chegado ao seleto clube dos modernistas, encontrava a contemporaneidade com versos prenhes de metapoesia.

Disse isto numa monografia com que obteve grau 10 (Dez) na PUC, em grau de Mestrado, no mesmo ano, na disciplina "A LINGUAGEM COMO ARTE". Publicarei este trabalho no meu novo livro de poemas, a que chamarei “BULA DE REMÉDIO”.

E daí, meu amigo, que tenho de aguardar a posteridade pra ver se o verso ousado, metalingüístico, fica ou não para os livros didáticos, para a geração futura.

Os poemas de autores que estão sendo publicados agora vieram a lume, em obra individual, na década de 50/60. Além desta década ainda não aparecem nas seletas dos estudiosos. Aqueles que forjam a posteridade, alertam a comoção dos leitores, dão vida e amostragem à obra.

O prazo para haver a coleta didática, na vertente poética, no RS, leva quase 50 anos. Isto é o que observo há tantos anos.

O famoso, complexo e desafiador poema NO MEIO DO CAMINHO, de Drummond de Andrade, vindo a público em 1928, está vivo. Mais vivo e atual do que nunca, quase 80 anos após.

E tem ocorrido sobre o famoso "Poema da Pedra", nesse lapso temporal, a média de uma análise crítica por ano. Destas, somente dezessete são contrárias à obra, à sua validade. Todas as outras afirmam a sua metalinguagem, o seu vanguardismo em Poesia. A sua contemporaneidade para o Brasil do século XX.

Lembras o quanto a professora Julieta Longo insistia para que o entendêssemos? E como era hilária a sua repetição entre os colegas cadetes.

Mas era muita "areia pro nosso caminhãozinho" de alunos de escola militar, fundamentalmente presos a normas rígidas.

Acresça-se que em período de exceção, nos chamados anos de chumbo. Aliás, o início da "Redentora de 64".

Afinal a pergunta que prevalecia era esta: – Onde está escrito? Tudo decorrência do positivismo formal. E isto não existe em Artes, principalmente em Poesia.

Era necessário não pensar, apenas cumprir o que se mandava...

Se tivéssemos olhos espirituais traduzíveis para a linguagem do humano enquanto vivo, se poderia saber sobre o período da outra margem, após o passamento desta para outra...

E também poderíamos ter a certeza da validade da arte e do que permanecerá ou não. Mas ninguém voltou pra nos confidenciar...

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre Prosa e Poesia. Porto Alegre: Alcance, 2008, p. 45:8.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/103138