"PERNOGRAFIA" MORNA (2): Carta sobre «Belas pernas»

Meus amigos Verônica e Dionísio:

Recebam os meus mais cordiais cumprimentos e escusas por me tomar a liberdade de lhes dirigir esta carta “pernográfica”. Mas, sendo sobre o tema, acho muito adequado começar pelo “duplix” seu, que ma inspirou. Liriza o seu “duplix”:

Duplix: Verônica/Dionisio

BELAS PERNAS / GAZELA

Torneadas, lisas, bronzeadas / GAZELA,

Asa delta, top less, areia fina / EM COPACABANA.

Belo par de pernas cruzadas. / BELO PANORAMA.

Mas eu, imbuído em peregrinagens, habitante na terra dos peregrinos, não tanto observo quanto fantaseio outras pernas belas, torneadas, suaves, bronze romeiro provocador de romarias quer dolorosas (por frustrantes, talvez) quer gostosas (pelo caminho que oferecem percorrer).

Como um Moisés ímpio e inverso ouço vozes argilares que me ordenam percorrer em peregrinação penitente desertos deliciosos. Aparecem-se-me como rios dilatados de areia gostosa, Tigre e Eufrates ferazes, fraternais, femininos, caminhos sensitivos a felicidades insuspeitadas.

Vozes de anjos modelados em argila sedosa ou doze tribus de paixões lascivas dominam-me e ordenam de eu seguir, acariciante, ambos os cursos caudalosos em ledice até alcançar o lugar sagrado onde devo oferecer-me vítima dócil e humilde, venerando e lúbrico.

Amigos Dionísio e Verônica, felizmente não há faraó que me impeça começar a peregrinagem nem pragas que deva utilizar para seguir o caminho certo. Sem mais reviravoltas, inicio o avance por tão escorregadiço e subtil deserto. Desde a beira firme agatanho delicado e amoroso até me topar com as primeiras dunas, estremecidas. Percebo que me deslizo por branduras vivas, suaves e afagantes com languidez agradecida.

Quando logro ultrapassá-las há como dous vales ternos em que descanso por tempo breve. Enxergo desde eles a meta sagrada da peregrinagem, o altar do sacrifício aprazível. Aguardam-me, porém, correntes grossas e arredondadas, em torrente. Ergo leve acampamento em tão gostoso lugar, assento os meus reais e deslizo dedos e mãos pela polposa e grata face de ondagens lenes, como por pele bronzeada e lasciva.

Rodeio e invoco. Então é que vejo já nédios dous montes Sinais, próximos e carnudos. Lentamente os rios do prazer, ao meu rogo calado, desunem o curso, mais cada vez caudaloso, torrencial, desatado... Rios ou Mar Vermelho partido em dous?

Fico extático e feliz à beira da ondagem corada, acereijada, melíflua: fascinado e temeroso, pressinto que devo mergulhar-me na fervença de doçura e suavidade, mas também temo que não possa atravessar passagem tão estreita...

É nesse momento que, acirrado pelo clamor das doze tribos (ou ainda mais) libidinosas, que de mim tomaram posse antiga, decido, se necessário, morrer gostoso no cabo húmido do deserto explorado... Parece-me— roucos sons exala perfumados, apelo transbordante em que os sentidos se extraviam...

Continuo a minha dança de dedos e mãos e mesmo de invocações arrebatadas: Abre-se em dous o Mar Vermelho, avanço acariciante mãos e dedos por ambos muros polposos e acho humores por onde escorrego brandamente a vara das magias secretas. Fecho os olhos e contemplo a nuvem reveladora, orvalho de amor e gemidos... Não sei como, mas fiquei mergulhado no mar aberto durante eternidades nunca dantes exploradas, saboreando o maná misterioso que nessa nova terra prometida acho abundante...

Caros Verônica e Dionísio, eis que, quando decido acampar sobre aqueles montes divinos e fixar os meus limites naquele bendito lugar, desperto do sonho.

Os sonhos sonhos são, mas por vezes parecem tão reais que mesmo a realidade fica como estonteada perante eles.

Tal foi o efeito do vosso duplix em mim. Muito obrigado.

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Dedico esta ensonhação a Lucibei, poeta subtil e sensual, criadora de líricos mistérios.