"PERNOGRAFIA" MORNA (1): Carta materno-filial

Minha Senhora:

Perguntou-me na sua última carta por alguma notícia curiosa. Neste mundo quase todas são novas curiosas, embora pareçam velhas e, segundo o comum entender, sem interesse. Esta que lhe vou narrar —brevemente— foi de meu interesse, pelo menos. Julgue se pode interessar aos espíritos subtis, como o de você.

Intitulo-o o caso do homem faminto de mulher-mãe. ELE (conheçamo-lo por este pronome), desde que perdeu a mãe, sua mãezinha, andava à procura das mulheres que ELE estimasse perfeitas, aquelas, quaisquer, que afinal, lhe recordassem a mãe perdida. ELE recusava dizer “saudosa”. Pensava que, dum jeito ou doutro, misterioso, sua mãe, desde falescida, encarnara em todas as mulheres dignas.

Fazia uma simples distinção, ingénua e portanto errada, entre as mulheres dignas de ser possuídas pelo espírito da mãe e aqueloutras... não dignas.

«Que critério e medida usava para alcançar alguma conclusão?» É questão que você levantará de imediato. Este é o tema desta minha carta.

Explico-me:

Um poema que acabo de ler no RECANTO DAS LETRAS, serve-me para arrancar a explicação. Acha-se entre os textos eróticos de Juli: «Pensei-me um ser astral... / Sendo assim, as lágrimas vertidas... / Atravessam meus universos paralelos!!!» Intitula-se «Alucinante».

Alucinantes são as reflexões estranhas d'ELE, como minha amiga verá.Todavia, o ser astral que ELE rasteja nas mulheres não chora; sorri e trespassa universos, quaisquer: Paralelos alguns, mas a maioria, tangentes, com tangência helicoidal invejável, lasciva e extratemporal. É por isso que ELE fantaseia relógios lânguidos, mulheris e maternais e ternos e leves e brandos e sedutores e vagarosos, arredondados por descuido, dalinianos, a marcarem tempos sem tempo.

Ensumido nessas imaginações, exaspera-se sem quase declinio, poderoso e mole.

ELE procurava mulheres de cabelo loiro, do loiro da mãe, mas relaxado, frouxo, a cair em cachoeira livre sobre ombros nus, redondos e carnudos, anúncio de ousadias mais carnalmente prometedoras.

Também esculcava, febril, na cor dos olhos: Tinham de ser do azul gostoso de mares nunca navegados; azul delicado, mimoso, a ecoar espíritos angelicais de asas plumosas esverdeadas. Olhos, afinal, de águas através das quais o futuro navegasse em fervenças duradoiras.

Minha senhora, descrevia-me depois, demorado, os lábios. Tinham de ser grossos, arredondados, húmidos como beijo lancinante, mas deleitosos, doloridos, mas saborosos. A pele amante devia sentir-se obrigada a implorar a carícia de lábios tão semelhantes aos maternos e tão próximos do pecado inocente que o amor exorbitado e sem medida pronto a consumar-se executa.

E o peito, os seios... côncavos, amplamente, generosamente côncavos (nunca convexos), polposos, coroados por auréolas morenas e deliciants.

ELE, num momento de sinceridade descontraída, declarou-me que buscava nos bicos das mamas, nos mamilos da mulher amada, o sabor do leite materno. Estranhado, perguntei-lhe como é que podia conservar nalgum recanto da sua memória alguma lembrança desse sabor. Não me soube explicar.

Talvez se sonhasse outro são Bernardo alimentado por leite virginal, segundo representa a pintura de Alonso Cano (Museu de El Prado, Madrid). Aquele santo, em prémio à sua devoção por Ela, recebeu sabedoria láctea do peito imaculado de Maria. Do mesmo modo ELE entendia que, devotado às maravilhas femininas, tinha de receber a sabedoria que toda a mulher conhece.

Como é que pensava ser o sabor original do leite materno? Minha Senhora, ELE não mo explicou, como acima disse.

Do ventre, do extenso e cálido ventre, não dizia nada: Apenas fruía. ELE fruía fantasiosamente, como se descesse, deslizando-se, a esquiar por neve ardorosa, desde o cume do monte dos prazeres até às sombras sedutoras e enleantes dos vales prometidos.

É nesse momento que ele iniciava o êxtase, quando suavemente agarimava —dizia— as coxas redondas e brandas, nacaradas e suaves como os cânticos ledos de pássaros românticos. Preferia não aninhar nas alegrias selvagens; antes, continuava acariciante a percorrer leve e ousado as pernas infinitas da amada, da mulher e, por mulher, amada até aos excessos de ternura em que o só contato de pele e estremecimentos o mergulhavam.

Descia e descia e descia ... meloso, melodioso, envolvente, viajeiro, e descansava nos pés nus e gordechos, como barco vacilante no porto desejado.

Nos pés ficava, pousava, procurava por eles enfaixar o desejo, já êxtase, em que todo ELE se transfigurara. Fazia, conseguia que os pés femininos massajassem êxtase e anelo e que, tornados em anel carinhoso, o rodeassem como tapete de amores acendidos.

Então acontecia suavidade e sonoridade harmónicas da chuva lene; abaixo, nos confins das pernas extremadas, redondas, perfeitas, conicantes...

Foi tudo, minha Senhora. E d’ELE não soube mais. Porque foi conto de viagem, ocasional e simpático.

Atenciosamente, receba o meu beijo, honesto.