O retorno de um sonho
Meu amor de juventude
O tempo passou que nem percebi o quanto. Ontem me olhei no espelho e fiquei assustada com o a minha própria imagem, não podia ser eu, não me reconheci. Os olhos tristes, opacos, a pele ressecada, os cabelos brancos...
Há muitos anos não o vejo, será que também mudou muito nesses longos anos de separação? Só consigo lembrar-me de você ainda jovem, esbelto, belo como um deus grego. Agora, ando lentamente, leio pouco, mas medito muito, e nessas minhas reflexões sempre penso em você meu amor de adolescência, de juventude. Meu sonho sempre foi poder encontrá-lo. Infelizmente o destino o arrancou de minhas entranhas e o levou para distante. Imaginei tê-lo perdido para sempre. E, nesse momento em que a vida está por um sopro, ainda relembro seus olhos brilhantes, seu amor platônico, suas cartas românticas falando do seu amor por mim, nossos desejos reprimidos, sonhos de moços em uma época em que o romance falava mais alto do que a paixão.
Estou com a idade avançada, mas agradeço a Deus estarmos ainda vivos, pois quero vê-lo nem que seja pela última vez. Soube que você está vindo para nossa pequenina cidade, depois de morar décadas no exterior, se tornar um doutor de nome, como se diz por aqui.
Ainda moro lá no pé da serra, na terrinha que herdei dos meus pais, lugar florido, perfumado. Moro com uma governanta, não tenho filhos, nem netos, o marido se foi e as lembranças me fazem continuar viva. Rememoro meu passado para exercitar a memória, isso tem me deixado mais ativa e acesa, ansiosa, pela sua chegada. Contaram-me que você perguntou por mim, quis saber como eu estava, onde morava e coisitas mais... Bastou isso para a vida voltar a sorrir para mim. Comprei um vestido novo, um perfume de sândalo como você gostava... Arrumei-me hoje só para ver a sua chegada. Vou ficar quieta dentro do carro, observando as pessoas da cidade recepcioná-lo, afinal é um filho ilustre que retorna. Vesti-me para um encontro, como se lá só estivesse eu e você. Ah, meu amor de sempre, deixe-me sonhar, pensar que agora no final da vida, ainda podemos dar aquele beijo, que não se concretizou na véspera da sua partida, pela chegada inoportuna de um amigo. Agora com a pele mesmo flácida, os lábios trêmulos, o gosto de um beijo pode ser o de“ambrosia” o néctar dos deuses do Olimpo, porque dentro de mim, ainda sou aquela menina travessa, que corria pela serra, em busca de orquídeas, a menina que esperava ver o seu príncipe passar pela estrada em seu cavalo a galope, acenando e jogando beijos. A menina que perdeu a virgindade na relva orvalhada do campo e nunca mais esqueceu desse príncipe que partiu na calada da noite para estudar no estrangeiro, você meu querido, o único filho do coronel, o seu Abelardo, vizinho de terras na nossa pequena cidade do interior.
Ontem me achei feia, velha, acabada! Hoje estou rejuvenescida, por saber da sua chegada. Tirei do baú minhas velhas joias, vou dançar uma última valsa, beber meu último vinho e morrer sorrindo se preciso for, mas vou viver meu sonho de amor aos 86 anos! Oxalá!