Novembro, Testamento-Depoimento: o Eu de Mim em Si
Novembro (Depoimento Testamento)
“Escrevo desde que aprendi a ler.Tive quintal urbano e rua descalça de terra cor-de-rosa. Rabiscava meus desenhos, letras e personagens pueris, em pedaços da madeiras, tábuas de pinho e retalhos de compensados da Marcenaria Estrela. Tive cachorro, árvore, rio, carrinho de rolimãs e nuvens por perto. Minha infância pobre foi o meu maior tesouro. Dizem que eu conversava muito sozinho. Só não reparavam em quem me respondia. Em casa era castigo ler dicionário, bíblia, revistas e jornais. Sempre fui um ledor voraz como se uma fuga para a terra do nunca. E lia de tudo. Do silêncio letral de minha mãe Eugênia, a prelúdios, auroras, gibis, pensamentos; afetos escondidos e ternuras coloridas com algibeiras de pedras. E também os olhares do meu Pai com seu acordeom vermelho. Fui criado desde que nasci entre mulheres. No começo eu tinha um infinito medo de morrer. Escrever me fez tentar a recriação de uma outra vida, um novo céu, uma nova terra. Ou mesmo a possibilidade de deixar minha dor de existir como testamento lírico, letral em poemas, canções, causos e desenhos abstratos, primitivos, heráldicos. Escrever para mim é mais importante do que viver. Acho que a minha alma-nau respira quando eu estou escrevendo. E assim me livro de mim, ou de ser o que sou enquanto terrestre e finito. E escrevo muito. E escrevo sobre tudo. E escrevo o tempo todo como se uma catarse onírica. Escritor é como um músico, um pintor, um fotógrafo ou retratista. Registra seu tempo e as amarguras de seu tempo. Sinto a dor dos outros nos ombros. Ainda trago a minha infância comigo. Levo Itararé por onde for, com seus quintais, seus rios, seus pinheiros, tempestades, ruas de cacau quebrado, paralepípedos e pessoas. Minha infância em Itararé o meu maior tesouro. Crio personagens para povoar o mundo que sonho recriar dentro de mim, e, depois, para fora de mim, nos livros. Faço poesia para ter companhia. As pessoas riem muito comigo, como se eu tivesse um nariz vermelho de palhaço... O elogio que mais recebi, a vida inteirinha, foi: -Você não existe!.
Faço algumas pessoas chorar com o que escrevo em verso e prosa, e assim
Quando eu morrer, espero poder vir a escrever no Céu.
As nuvens, então, chorarão por mim.
Silas Correa Leite, Itararé-SP