O adeus que nunca chegou: a incógnita da morte de Antonio
O adeus que nunca chegou: a incógnita da morte de Antonio
Em 1956, Antonio Soares, filho de Dona Raimunda (1920-1995), com apenas 20 anos, deixava São Gonçalo, distrito de Sousa-PB, rumo ao desconhecido, sem nada no bolso, carregando nos olhos o brilho da esperança de uma vida melhor e no coração a coragem típica do sertanejo que desafia a seca e a pobreza. A primeira grande parada foi no Recife. A última estação foi no sul, na cidade maravilhosa. A cidade grande o acolheu, e lá ele conseguiu um emprego público digno e construiu família, casando-se e tornando-se pai. Contudo, ao lado das conquistas, brotaram as raízes de um desgosto silencioso. Sua esposa Sueli e a filha Marta jamais nutriram afeto pelos parentes de Antonio na Paraíba, tratando com desdém sua origem humilde e os laços com a terra que o formou.
Antonio retornaria a São Gonçalo apenas em duas ocasiões: em 1972 e 1975. Sempre sozinho. Na primeira visita, após um intervalo de mais de quinze anos sem contato, o reencontro foi tão impactante que a surpresa fez sua mãe desmaiar, tomada por uma emoção que só os corações do sertão entendem. Três anos depois, na sua última visita, Antonio realizou o sonho de levar Dona Raimunda ao Rio de Janeiro. Logo após, Zé Tarzan, seu irmão, partiu para buscar a mãe e, enquanto a trazia de volta ao sertão, teve a oportunidade de conhecer as belezas da cidade fluminense e de sentir a imponência de São Paulo, numa jornada de encantamento e descobertas que se eternizariam em sua memória.
Com o passar dos anos, esse abismo entre a família que ele construiu no Rio e as suas raízes nordestinas se tornou insuperável. As cartas que antes cruzavam os caminhos de poeira entre o sertão e a metrópole tornaram-se raras, até cessarem por completo. Antonio, atormentado pela falta de compreensão em casa, viu-se cada vez mais distante de seus irmãos e de sua terra. O silêncio que se impunha entre ele e São Gonçalo não era apenas geográfico, mas emocional. Cada vez mais, ele sentia-se só, aprisionado em um ambiente onde seu passado era ignorado, e sua história, esquecida.
No ano de 1995, aos ainda jovens 59 anos, Antonio adoeceu gravemente. Seu corpo, já debilitado pela longa batalha contra as enfermidades, não resistiu, e ele sucumbiu à doença que o consumia lenta e inexoravelmente. Contudo, seu falecimento, envolto em mistério e silente solidão, nunca foi comunicado à família no sertão nordestino. Sua esposa e filha, enredadas em ressentimentos e insensibilidades acumuladas ao longo dos anos, decidiram ocultar a triste notícia, como se a omissão pudesse selar para sempre os laços que Antonio mantinha com o passado. Assim, nenhum telegrama, carta ou telefonema ousou atravessar as distâncias para levar aos familiares a dolorosa notícia de sua partida. No mesmo ano, pouco antes do filho, Dona Raimunda também falecera, poupada da dor que seria saber da perda de Antonio, e ele, igualmente, partiu sem saber da morte de sua mãe. Assim, ambos foram protegidos do amargor de um luto silencioso, cada um ignorante da ausência do outro, selando no mistério uma dor que o tempo não revelou ao sertão.
A família de Antonio em São Gonçalo-PB e em Juazeiro-BA nunca recebeu a confirmação oficial de sua morte. Os meses se passaram, e a ausência de notícias, que já era rotineira, começou a pesar mais do que nunca. O silêncio, que antes era um intervalo doloroso entre as cartas, tornou-se permanente. Zé Tarzan, com a intuição de quem conhece os sinais do destino, começou a suspeitar que o irmão havia falecido. A falta de contato, o desaparecimento das notícias, e o peso do tempo implacável apontavam para uma triste conclusão: Antonio não estava mais entre os vivos.
Contudo, sem qualquer notícia oficial, sem um adeus ou um rito de despedida, a família paraibana de Antonio foi condenada a viver em uma eterna incerteza. O sertão, que tantas vezes foi o refúgio da esperança, tornou-se o palco de uma espera silenciosa e infindável. Não houve choro compartilhado, nem luto organizado; apenas a suspeita amarga de que Antonio se fora, levando consigo não apenas seu corpo, mas também o elo que o ligava à terra e ao sangue de seus irmãos.
Assim, a morte de Antonio permaneceu envolta em sombras. Ele partiu, vinte anos após a sua segunda e última visita ao sertão que o moldou, e sua família, incapaz de enterrá-lo ou homenageá-lo, foi deixada com o fardo da incerteza e da saudade. E o silêncio, tão comum nas vastidões do sertão, ecoou ainda mais forte nos corações daqueles que o amavam...