À BEIRA DO RIO

 

... estava a nossa morada. Uma simples edificação... metade alvenaria, metade pau a pique.

O imenso quintal abrigava a horta, a pocilga, as galinhas , as árvores frutíferas, goiabas, bananas, ingás, romãs, pêssegos...

canas e garapas não faltavam. E...flores, muitas flores...

Dava fundos para o Rio Paraíba, sem nenhuma cerca de proteção para a família. O respeito aos limites da Natureza estava implícito. Ninguém ousava ultrapassar as barreiras do perigo.

As crianças brincavam pelo quintal entre os animais domésticos e os passeios de canoa, de um lado para o outro do imenso rio. A existência de coletes salva - vidas não constava do conhecimento daquelas pessoas.

 

Meu pai puri era ferroviário, guarda-chaves na estação do trem. Trabalhava em turnos dia sim, dia não...  Nos  intervalos cuidava do quintal, da roça, do paiol, da canoa, da confecção de tarrafas, da manutenção do prédio da residência... Para garantir a alimentação da filharada, pescava. Pescava muito! Com a canoa vazia, seguia rio acima. Voltava cheia de peixes, vários tamanhos e cardumes. Em casa, as mulheres, minha mãe e minha avó Maria,  cuidavam da preparação dos peixes grandes e a miuçalha cabia aos cuidados das crianças. Numa bacia, lambaris, guarus, mandis, bagres...eram o terror dos infantes. Enquanto houvesse um peixinho, a bacia resistiria à reclamação.

Enquanto isso, as senhoras já estavam com o pirão de cascudo pronto e o tacho à espera para a fritura dos filhotes.

 

Normalmente, os tios e tias  juntavam-se naquelas noites para a degustação de  vinho italiano e se fartarem da peixada.

Muitos causos eram contados. Para as crianças. o fantástico percorria as veias daquele cenário.

O radinho de válvulas ensaiava alguma música, som que se perdia em meio às falas, risos e risadas. O gestual italiano animava o recanto. Televisão... nem em sonho!

 

Sou a primogênita. A cada dois anos a família recebia um novo herdeiro das paisagens ribeirinhas. Somos onze irmãos. Tenho cinco irmãs e cinco irmãos.

 

A vida seguiu seu rumo, mas à beira do rio continuamos.

 

Hoje...

o rio não sorri.

 

De piscoso...

passou a nervoso,

barroso,

poluido,

sem vida.

 

Margens...

sem sombras,

sem guarida.

 

Triste travessia

das águas quase mortas.

Adeus à poesia!

 

 

 

foto by Zaciss