AS PIRANHAS DO ‘VELHO CHICO’ E O MUI AMIGO!
AS PIRANHAS DO ‘VELHO CHICO’ E O MUI AMIGO!
Ricardo De Benedictis
Por muitos anos fui residir no Rio de Janeiro, numa época em que desejava enveredar pela vida artística.
A princípio fiquei com minha irmã mais velha, Tereza, que tinha ido para o Rio com a família. Seu então marido era Angelo Neto com quem passei a trabalhar meses antes da mudança para o Rio e que me convidou para ficar com eles enquanto arrumava minha nova vida.
E como eu viajava muito, com minha irmã e seus filhos deixava meu primogênito Ricardinho, pois não podia carregá-lo comigo de cidade em cidade, de hotel em hotel, dado que ele tinha menos de 5 anos de idade. Passei a trabalhar na Revista Estados e Municípios de Angelo Neto, meu cunhado; andava pela Bahia e outros estados atrás de notícias dos municípios. Isso nos anos de 1970 para a frente!
Na Bahia, meu porto seguro era Poções, minha terra natal onde residia meu irmão Ernesto, que era advogado a tia Ida De Benedictis, irmã solteira do meu falecido pai, além dos amigos e muitos outros parentes.
Este foi um período que financeiramente foi muito bom. E numa dessas viagens, meu irmão me apresentou um cidadão que estava vendendo uma Kombi semi-nova e o preço estava abaixo da tabela da época. Eu tinha a grana e comprei o veículo.
Em circunstância totalmente esdrúxula, conheci um funcionário de um banco oficial de prestígio, cujo irmão havia tocado comigo, com Sandoval, Pia, Lourinho e Zé Fohen, numa banda que formamos anos passados. Soube que ele estava indo para sua terra natal, Bom Jesus da Lapa e fui visitá-lo no hotel de Arlindo Carvalho e dona Amália, que ficava na casa onde residiu o Doutor Trindade e sua família, ao lado da Prefeitura de Poções. Lá chegando, após um bate-papo, mandei saudações para seu irmão e quando estava de saída ele me perguntou sobre a Kombi, porque estava com dificuldades para encontrar transporte para ele, a mulher e a filha, além da bagagem e pediu-me a Kombi emprestada para fazer a mudança. A proposta pegou-me de surpresa e eu acabei aceitando seu pedido, já que me prometeu voltar com o veículo na semana seguinte, uma vez que estava de férias, mas que deixaria a família em local já estabelecido para morar na Lapa. Fui atrás das chaves e dos documentos do veículo e os entreguei; ele ainda salientou que no dia tal da semana seguinte, estaria em Poções para me devolver o veículo. Eu não o conhecia bem, mas tratava-se do irmão de um amigo, em dificuldades, e eu poderia ajudá-lo, desde que cumprisse o que foi combinado. Nada lhe foi cobrado pelo empréstimo e na semana seguinte ele não voltou. Viajei, deixei meu irmão incumbido de receber o veículo de volta e um mês depois voltei a Poções e as notícias não eram boas. O gordinho como o chamavam, estaria desfilando na Lapa com o carro dizendo-se proprietário do veículo.
Meu irmão me havia aconselhado a não emprestar o carro e eu não o atendi. Então ele me disse para conseguir uma pessoa que me fizesse companhia para ir até a Lapa reaver o bem que o gordinho me havia levado. Antes disso, tinha que ir a Eunápolis, onde procurei um amigo político, Samuel Lima. Contei o fato da Kombi e ele me apresentou um magricela que fazia segurança particular, que era bom de gatilho e tal. Ele se prontificou a ir comigo e pegamos a estrada. Naquela época, a viagem era um massacre. De Vitória da Conquista em diante, era lamaçal atrás de lamaçal, chovia como nunca e as estradas de barro vermelho, caminhões e muita lama a dificultar o trajeto e mais de 300 kms. de distância. Levamos um dia inteiro e na madrugada do dia seguinte chegamos. Fomos para um hotel, tomamos banho e fomos dormir. Acordei às 10 horas da manhã com um calor infernal. Era janeiro de 1972. Quando fui fazer um lanche, já que o café do hotel funcionava até as 9 horas, o parceiro de viagem já tinha saído e voltava com algumas notícias. O gordinho estava com o carro, ele já sabia onde morava, etc. Deixara recado para que ele fosse ao hotel onde estávamos e que levasse o veículo. Ele só foi aparecer à noitinha. Veio com a Kombi lavada, aparentando estar bem cuidada e me disse que resolvera comprar o veículo que fora muito útil para sua viagem e que não se preocupou muito porque sabia que eu não precisava do carro, já que o havia emprestado sem qualquer pagamento. Que queria que eu fosse com ele para me apresentar ao sogro e que estava disposto a me pagar em prestações, etc. Eu ouvi aquela lenga, lenga e me posicionei que não tinha interesse de vender (a essa altura já sabia que ele era um caloteiro e não pagava a ninguém). Ele exibiu um talão de cheques do BB, perguntou quanto eu queria no carro para dividir em 10 cheques, e eu disse que não queria vender. Ele então preparou a segunda parte do plano que penso ter urdido, antes de me abordar. Primeiro perguntou quem era aquele magricela que me acompanhava e eu disse tratar-se de um amigo que viajava comigo, mas não entrei em maiores detalhes.
Antes de sair com ele, já que insistia que ia me levar para o sogro me conhecer, fui ao quarto e disse ao parceiro que pegasse um taxi e nos seguisse pois estava preocupado com a frieza do gordinho. Quando o parceiro apareceu na varanda do hotel, nos levantamos e saímos. Fiquei olhando pelo retrovisor e vi o segurança pegando um taxi próximo ao hotel. E o gordinho foi o tempo todo contando histórias e sua vida bancária, falou da família, do irmão e foi tomando um rumo que se aproximava da margem do rio São Francisco, numa estrada de lama e caindo uma neblina, onde não havia casas. Aí se deu o clímax da história: ele parou a Kombi e me pediu pra descer. Eu argumentei que não enxergava bem no escuro, mas ele insistia, alegando que ia deixar os faróis acesos. Neste momento o parceiro parou com o Taxi bem do lado e desceu de arma em punho contra ele, que deu pra tremer e o parceiro descobriu que ele carregava um revolver 38 com seis balas, na cintura.
Imediatamente ele me devolveu o carro, as chaves e os documentos. Nós o deixamos no centro da cidade para tomar o rumo que quisesse, a história de ir à casa do sogro era balela, não falou mais no assunto e foi assim que tudo terminou. No dia seguinte, consegui um caminhão que ia para Vitória da Conquista, colocamos o veículo em cima da carroceria e pegamos a estrada de volta.
E assim, termina essa minha aventura que poderia ter sido fatal, se não me houvesse acercado de alguém que me pudesse defender de uma possível cilada.
Anos depois voltei à Lapa, mas não quis saber de ver tais figuras que me deixaram alguns dias agoniado com a possibilidade de ter sido assassinado pelo ‘mui amigo’, gordinho safado que se passava por amigo, mas era pior que uma cobra peçonhenta, cujo desiderato era me entregar às piranhas do velho Chico.