Eu só queria companhia
“Não somos ricos pelo que temos, e sim pelo que não precisamos ter.” Immanuel Kant
O real significado da vida nunca deveria ser associado a riqueza. Muitas vezes tem tudo que sonha e o dinheiro pode comprar, mas não tem significado viver. Eu guardo na memória o significado do prazer de estar viva e ter a oportunidade de vivenciar momentos tão valiosos. As lembranças da simplicidade na casa da minha vó, e a imensa construção de significado de vida,onde tudo era tão envolvido em afeto, que um simples pirão de água quente e pequenos pedaços de lombo frito, eram a minha felicidade do entardecer. Era o momento mais importante do dia, pois ela sempre contava as histórias de galocha, e eu me divertia , mesmo que, fossem repetidas.
Para mim a casa da minha vó era o paraíso. Eu não conceberia se alguém achasse que a pobreza morava ali, pois para mim, nada ali faltava, além de tudo que eu precisava, o carinho, o cuidado, o ensinamento do caminho para a igreja na praça, pertinho da casa de vó. A forma de comportamento adequado na igreja, que inclusive a desobediência era grande, rs. Do quintal, retirava alimentação da horta, das fruteiras, das galinha e seus ovos . E do seu salário da aposentadoria, ela com sabedoria deixava a dispensa muito organizada com alimentos do dia a dia. Lembro do pacote de fubá tabajara, que eram guardados quando ela queria empacotar ovos pra viagens. Minhas melhores férias vivi ao seu lado, minha diversão não era na rua brincando com coleguinhas da mesma idade, era a observação de como ela conseguia costurar pedacinhos tão estreitos de retalhos, pra fazer cochas tão bonitas, como conseguia fazer bolo de milho,pouca e aipim no forno à lenha, amava quando ela usava minha peneira, que me pediu, pra tirar dos brinquedos, e deixar junto aos pertences da cozinha, para ela peneirar a garapa de maracujá, que eu tanto saboreava. Lembro-me da leiteira e a panela de louça branca para que ali o leite fosse fervido, num fogão à lenha. O café com leite da minha vó, era uma perfeição. O seu pequeno armário de guardar roupas tinha um perfume natural, era uma madeira especial. As roupas sempre cheirosas, ela fazia uma mágica, pois cabia tanta coisa neste armário, e ainda sobrava espaço quando eu chegava pra colocar minhas roupas.
Com minha avó aprendi que não deveria ter desperdício. Tudo era aproveitado. E admito que minha vó era uma costureira cheia de talentos, consertava minhas roupas à mão, costurava com retalhos, colchas, toalhas de mesa, com combinações geométricas perfeitas. Lembro do dedal, das agulhas e linhas, que após esvaziar as caixas de linhas viravam brinquedos, porta material escolar,etc
O feijão à moda da casa, servido durante a semana, terminava como tutu , escaldado de farinha com água e sal e lombo desfiado. Durante a semana o pão era comprado quentinho no fim de tarde,mas quando o pão ia sobrando, ela batia ovos com um garfo, molhava o pão no leite, passava o pão nos ovos, fritava, e povilhava com açúcar .
O fogão à lenha deixava o inverno quentinho, meu tio Quita abastecia com lenhas aos sábados, sempre trazia leite, ovos, doce de leite, e quando tinha jabuticaba, umbu, a festa estava organizada, pois teríamos umbuzada.
As luzes da casa apagavam às 18:00 horas, hora de ir pra cama. Só ganhei a liberdade na casa de minha vó, quando completei uns doze anos, pois ela deixava eu ir na casa da vizinha assistir televisão.
Lembro de um dia, que fui na garupa do cavalo de tio Quita, era tão pequena, e tímida, não falava do incômodo nas pernas a cada galope do cavalo, a distância ficava maior a cada desconforto. Quando chegamos ao destino, na casa da minha tia Belinha, foi um alívio muito grande. O meu contato era mais com adultos, casa de roça, casas distantes, ainda bem que tinha a escola. O calendário era diferenciado, pois seguia o ciclo das chuvas, da preparação da terra, do plantio e colheita. Enquanto lá eu estava de férias, as crianças da escola onde minha tia ensinava estudavam. Eu tinha vida dupla de educação escolar. Participava desta engrenagem multisseriada, onde ela atendia da criança ao jovem estudante. O uniforme de cada menino e menina, também adolescentes, eram branco e azul marinho. A merenda era servida , lembro dos pratos e copos plásticos, e o sabor de cada refeição, eu também merendava. Ouvia minha tia explicar cada atividade, o quadro era dividido em partes para cada série. Um quadro grande...
Conheci algumas famílias da região, onde tive oportunidade de vê que as senhoras adoravam café, sempre serviam e me perguntavam se eu queria,rs , mas é lógico, principalmente se o requeijão tivesse ainda quente da produção do dia,ou a castanha estivesse sendo quebrada no quintal. Conversavam sobre coisas que talvez eu nem pudesse escutar, era como se eu não tivesse ali. Mas,eu garanto que sim e bem ligada nos fatos. Mas, confesso que existiam às vezes alguns códigos, acho que quando percebiam minha existência.