A Feitiçaria no Cangaço
A FEITIÇARIA NO CANGAÇO
O último cangaceiro do bando de Lampião, Antônio Inácio da Silva, vulgo "Moreno", que residia no subúrbio de Belo Horizonte, deixou uma caderneta (diário) contendo as orações e feitiços usados por ele e seus comparsas durante a vida na jagunçagem.
Moreno, que era um índio da nação Pankararu, do Sertão meridional de Pernambuco, conhecia todas as formas de pactos e ritos , que quando realizados nas quatro "horas abertas" do dia, propiciavam vários "talentos".
Numa de suas últimas entrevistas, Moreno contou que fechou os corpos de quase todos os companheiros, confeccionando-lhes patuás poderosos e ainda consagrou-lhes os anéis para que tivessem uma mira certeira e uma destreza mortal no manejo dos punhais.
Aos mais perigosos e mais procurados pela polícia de Vargas, como Corisco e Gato, ele ensinou como se "envultar" (ficar invisível) através de pactos com "diabos menores".
Curiosamente, disse Moreno, Lampião era contra a essas magias.
Temente a Deus e afilhado de Nossa Senhora, ele dizia que preferia morrer a ferro frio (faca) ou quente (bala) a ter que ficar devendo favor ao Diabo.
Não obstante, ele aceitou levar um sinete (objeto usado para selar e autenticar documentos) na aba dianteira do chapéu , que lhe concedia talentos premonitórios.
Moreno contou que, desde o dia em que "ferrou" esse amuleto no chapéu do chefe, ele passou a tomar as decisões mais imprevistas.
Acordava no meio da noite alarmado por algum sonho e ordenava retiradas urgentes, mudava de rota e ou de paradeiro conforme os avisos que percebia no voo ou no canto dos pássaros.
Quando foi abatido no cerco de Angico, em Sergipe, Lampião estava usando um chapéu novo, "desprevenido", porque já não suportava o desassossego daqueles avisos.
O chapéu mágico , fora devolvido ao próprio Moreno, que dele recortou o sinete e o guardou sempre consigo.
Foi graças a este amuleto, assim acreditava Moreno, que pôde escapar ileso das forças policiais e migrar para a capital de Minas Gerais, onde teve uma vida sossegada e próspera.
Superstição ou não, Moreno foi de fato o sobrevivente mais longevo do cangaço. Quando faleceu, em 2010 - poucos meses depois de entregar sua caderneta mágica aos historiadores da UFMG - ele tinha 100 anos, e estava tão lúcido quanto famoso.
( Estórias e Curiosidades/ Resumo por Sílvia Restani )