Pai
Pai, adorava seu fusca amarelo. Ainda tinha uma faixa azul, que fazia dele único, diferente de tudo que havia visto. Naquele dia, a gente ia dar uma volta. Mas, na hora “h”, fomos interrompidos. A pescaria ficaria para depois. Seguindo ordens, alguém veio e atrapalhou nossos planos. Eu tinha apenas 6 anos. Obediente, não argumentei. Você deu partida e foi embora. Definitivamente... Foi minha última lembrança. Recordo do seu tchau e do sorriso de despedida. Depois, você sumiu. Achei estranho, mas eu era tão pequeno que os dias pareciam ter outra duração. Um dia, bateram à porta. A vizinha, que jamais nos visitava, apareceu com uma estranha feição. Falou algo que causou grande comoção. Houve em seguida um longo e silencioso abraço. Não compreendi. Fiquei observando de longe a cena. Passado o episódio, falaram-me sobre estrelas e constelações. Não pude compreender, pai. Só sabia que você tinha saído para pescar e não voltou mais... Nunca poderia imaginar que pescarias demorassem tanto, pai. Aos poucos, fragmentos de lembranças começaram a formar um quebra-cabeças. Com o passar do tempo, juntei as peças e entendi a fatídica realidade: não tinha mais você. Você havia partido. Não sentiria mais o rosto com espinhos colado ao meu. Não ouviria gritos nos dias de jogo. Não levaria susto com seus pés me pinicando embaixo do lençol, quando a gente dormia juntos. Também não sentiria mais o aroma ácido da sua limonada favorita que só os bares vendiam. Não riria mais de piadas que eu não compreendia. Não poderia mais dizer “e aí, galera?” só pra te fazer feliz. Tampouco levaria broncas que soavam como trovoadas. Estrelinhas apenas ficam inertes no imenso céu de recordações. Parabéns pelo seu dia, pai.