Autoanálise

Prólogo:

Neste 25 de dezembro de 2007, considerado por alguns uma data magna da cristandade, quero encerrar o ano com um processo introspectivo no qual busco, sozinho, a compreensão de mim mesmo, minha personalidade, emoções, problemas, anseios, receios, frustrações, recalques, vitórias, derrotas, limites, comportamentos, etc.

Só espero não receber tantas "pedradas" (recebi muitas) quanto recebi ao escrever e publicar aqui, no Recanto das Letras, os textos: "O crime compensa", "Todos somos corruptos" e "Por que o crime compensa?".

Se isso ocorrer juro que compreenderei, pois a natureza humana é demasiada complexa não apenas para mim, mas para todo ser pensante.

Às vezes, penso ser escritor na acepção da palavra porque acredito no que escrevo! Uso as pessoas, os fatos reais ou imaginários para escrever. Engenhoso, faço esforço e crio histórias plausíveis de acontecerem para o cabal assédio da criação poética. Os leitores ficam com o encargo de julgarem o que deva ser certo, razoável, aceitável, admissível, louvável, bom ou ruim para suas evoluções.

Não é fácil autoanalisar-me! Tentarei fazer isto tendo por base meus escritos, que para muitos não passam de poesias insossas, difusas, inconseqüentes.

Minhas palavras nascem do âmago, espaço inapropriado, porque deveriam surgir no cérebro, sentidas na paz que arranco de dentro de mim e insiro nas mentes dos leitores nada ou pouco avessos aos sentimentos incompreendidos e interpretados extensivamente, julgados, de forma precipitada, insanos, permissivos, sem nexo.

A poesia é reinvenção e a imagem suscita tanto novos e como outros olhares, novas possibilidades surgem da exploração dos atributos poéticos que brotam do eu que nasce do silêncio sem ter sido articulado palavra alguma. A poesia cria forma pela imagem surrealista, surge da paz que arranco da essência do espírito irrequieto.

Minhas criações são abstratas: intimista é o enredo que urdo após sôfregos goles de vinho, uísque, cerveja ou cachaça (não sou tão seletivo nesse aspecto) em movimento a dançar as ambigüidades flutuantes, na atmosfera da escrita que se mostra do enleio e contorno dos seios; nas formas triangulares, que vislumbro desde a infância, com pêlos azeviche reluzentes, intumescidas pelo desejo; no carmim das unhas ou dos lábios da bocarra que me engole nos tresloucados sonhos sem-fim; nas sobrancelhas bem-feitas; no ventre chato, trêmulo; nas coxas perfumadas, tépidas; no calor do encontro e o destroço da despedida, capturando escassez e excesso, estiagens e tormentas, recomeços e desfazimentos, sinuosidades, sinergias, versos livres e brancos.

Assim são meus pretensos devaneios arrebatados, extravagantes, superados. Acredito no que escrevo porque sei que a arte da poesia sublima e enleva o espírito. Há os que enleiam palavras com propósitos degradantes, satíricos, escarnecedores, chocarreiros, zombeteiros... não é esse o meu caso.

Articulo versos, quiçá burlescos apenas sob a ótica dos broncos, malcriados acomodados, mal-educados, que vêm das profundezas do corpo nu e saem pelo dorso carregando a palavra de sangue no desejo feito fogo-fátuo, eternizados na memória das remotas lembranças da infância, dos desejos não satisfeitos, frustrados; exorcizando os tantos significados ao se revelarem nos espelhos do narcisista feio, recalcado, mas que se faz poesia na nudez altiva, soberana, coberta de pólen, para medir a vida e migrar dos dias e noites sem-fim da hermética celebração de afetos reprimidos, negados, que se transforma em angústia e me leva a manifestação neurótica, através de escritos inexplicáveis, aureolados de mensagens subliminares, quiçá difusas e sem nexo.

Faço verso delicado como o artesão que adivinha os mistérios do amor na boca da noite dos furores uterinos e atravessa a jugular para sorver a suntuosa magnificência do encanto, que se refugia na própria alma, como o sabor do vinho escarlate degustado ardentemente na taça da vida, sem interditos ou maniqueísmos, sem a preocupação com as críticas dos esconsos, pouco ou nada criativos e despeitados.

Quando escrevo visto a túnica inconsútil da proficiência, imagino e experimento sombrios mistérios impetuosos da fêmea na sedução do olhar de Medusa, no encanto que não petrifica e flana nua pelos implícitos abraços do poema com sabor de carne almejada febril e/ou flamejante.

Através dos versos sou aquele que exercita para melhor sentir o cheiro do púbis feminino, dobras da pele sem cor, interceptado da flor do ventre que lateja e se faz guardiã da dança, das cobiças mais recônditas, dos anseios inconfessos, que sai como açoite das coxias anímicas para o banho onírico no mar aberto da nudez, oculta lindeza pelo palpável desejo de zênite.

Sentir o cheiro acridoce do púbis feminino, dobras da pele sem cor, interceptado da flor do ventre que lateja e se faz guardiã da dança, não é o propósito do eu tarado, julgado por ressentidos, sexualmente degenerado. Afirmo que sou autêntico e não um hipócrita que se nega e se reprime nas manifestações do próprio corpo que grita por um prazer sem lindes.

Viso, com os escritos rebuscados e metafóricos, aprender a interpretar os sinais enigmáticos, seqüência de fenômenos psíquicos (imagens, representações, atos, idéias, etc.) que involuntariamente ocorrem durante o sono com sonhos obsessivos, sem controle, agitados.

Demonstro ter um prazer mórbido em ser só. Vivo a crudelíssima dor da solidão em cada segundo da minha existência porque sinto que o sofrimento me faz crescer, cada vez mais, para as profundezas abismais de mim mesmo.

Tenho o coração em chamas e os olhos, antes melífluos, secos, inexpressivos, vazios. Tento enganar meus sentimentos. Não consigo. Dentro do torso que um dia foi helenístico a esperança jaz morta. O rosto ebúrneo e escanifrado não nega, ao contrário, confirma: estou enfermo, meus sonhos confusos são sangrentos e diruptivos.

Pergunto-me, nas madrugadas sem-fim: quem me acompanhará quando daqui (planeta Terra) eu partir no trem dourado que me conduzirá ao nirvana? Para quem deixarei meu último olhar? Quem cerrará meus olhos depositando em meu rosto um beijo derradeiro? Terei preces sinceras... indulgentes?

Ouvirei risos sardônicos, dissimulados e escudados pela hipocrisia infame? Causarei choros escandalosos, convulsos? Sei que nada disso terá valor afetivo para o corpo sem vida, exangue, pois em verdade apenas levarei para a sepultura a suave e gratificante lembrança dos (as) beneméritos (as) amigos (as) e daquilo que nunca consegui ser, isto é, verdadeiramente humano.

A chama se apagou, mas por que não deveria se apagar? Em desespero tento continuar eterno através do que escrevo. Desse modo, procuro definir meus versos arrítmicos e anarquistas para muitos, na simplicidade dos meus dois últimos parágrafos de natureza pálida, insulsa, difusa, insípida, monótona, quiçá inconseqüente:

Minha palavra, às vezes, considerada malsã, é refratária e convida a conhecer o olhar feminino que se faz transgressão inocentada por ser lâmina afiada para desvendar segredos inconfessos.

É minha palavra magnética, licenciosa, embora considerada difusa, por ousar mergulhar na corrente do rio que representa o ser em êxtase, inseguro de suas potencialidades; impetuosa por usurpar pensamentos complexos, pontos nevrálgicos, metas intransponíveis e a deixar no cúmplice leitor a inquieta idéia de perseguir essa aventura orgástica, impudica, talvez pervertida, revelada de forma simbólica, subliminal, mas satisfatória e lírica, pelo menos para mim.