AFFONSO BLACHEYRE
Algumas palavras antes do prefacio.
Conheci o escritor e tradutor Affonso Blacheyre no final dos anos 80 e início dos 90.
Foi me apresentado como o tradutor para inglês dos livros da editora na qual eu era gerente.
Eu estava no meu gabinete e o diretor da editora me disse quem era esse homem de barba e cabelos brancos.
Não sabia eu que se iniciava uma nova etapa da minha vida, onde encontraria um igual para dialogar, debater e ponderar sobre o mundo e o universo.
O diretor saiu de cena e Affonso ficou de pé na frente da minha mesa e então disse:
–Quero que saiba que eu sou um gênio.
–Que bom! – respondi – Agora somos dois!
Se iniciava uma amizade que compartilharíamos por sete anos de cartas, visitas, telefonemas, livros, comentários, debates, e muito respeito.
Não havia limites para nossos assuntos sobre história, filosofia, política, família e livros.
Sete anos para ter um irmão foi muito pouco.
Ainda hoje, após 25 anos do seu falecimento, sinto que nossas conversas não foram concluídas.
Intercambiamos muitos livros, ele leu meus escritos e eu li os dele. Um dia Affonso me enviou dois livros seus.
Um deles era CONTRA–CONTOS.
Gabriel Solis, editor.
Julho de 2022.
*******.
Prefacio
Sou Attila Blacheyre, um dos seis filhos de Affonso Blacheyre.
Quando um filho fala sobre um pai, cabe se expressar em primeira pessoa e em tom bem pessoal. Mas procurarei dizer o que convém a um resumo biográfico.
Affonso Blacheyre nasceu em Niterói, em 1º de maio de 1928, e faleceu no seu sítio, em Cachoeiras de Macacu - RJ, em 21 de março de 1997.
Criado por pai e mãe católicos, já na infância não aceitava a mundivisão dos mesmos. Na adolescência leu a obra de Nietzsche Para a Genealogia da Moral, e isso consolidou sua condição de ovelha desgarrada.
Com superdotação também para idiomas, aprendeu inglês através do cinema legendado, livros de gramática e dicionários.
Entrou como soldado raso no exército e lá traduziu um manual de artilharia de costa do inglês para a nossa língua. Saiu cabo. Esse seria o pontapé inicial para uma trajetória extraordinária como tradutor, pois trouxe aproximadamente 150 livros de inglês, francês e espanhol para a língua de Camões. Basta digitar seu nome, e encontrar alguns de seus trabalhos na internet.
No seu tempo de secretário na Embaixada norte-americana no Brasil, antes da transferência da capital para o Centro Oeste, ele trabalhou junto aos adidos militares de um Estados Unidos vencedor da Segunda Guerra Mundial.
Certa vez um general brasileiro adentrou-se naquela embaixada, afixando o seguinte cartaz nas paredes:
“Oficial brasileiro aluga casa para oficiais americanos”.
Era ninguém menos do que o general Castelo Branco que acabara de ser transferido para a Amazônia, na época conhecida como “inferno verde”, para lá terminar melancolicamente sua carreira.
Percebendo que o aluguel da casa era, na realidade, um pedido de socorro, foi-lhe proposto que desse um golpe de estado.
A poderosíssima quinta frota norte-americana estava no litoral do Brasil, prometendo apoio como homens e armas, se necessário.
Não foi.
Saído da embaixada, ele era um arquivo vivo. Essa foi uma das motivações para comprar um sítio a 150 km da antiga capital e lá criar seus filhos. Nessa época pôde ler a enciclopédia britânica, o Larousse e uma enormidade de livros.
Na definição de um de seus melhores amigos: “Affonso foi um daqueles raríssimos homens que na vida e da vida tudo poderia, mas ele nada queria dela, pois parecia transcendê-la”.
Ao datilografar/digitar os textos que se seguem, ele o fazia com muita rapidez, contudo a ligeireza das mãos evidentemente não conseguia acompanhar a intensidade do fluxo de sua inspiração.
Poderia ter escrito muito mais sobre os vários temas pertinentes a seu multiverso caleidoscópico e multifacetado. Mas ele dizia que um dos maiores poderes consiste, justamente, em ter o poder e não usá-lo.
A ti, pai, minha homenagem, gratidão e saudade expressos 25 anos depois de tua partida. Gratidão também ao nosso amigo que resgata parte de tua obra.
Attila Blacheyre, Julho de 2022.
*******.
******************
Esta biografia está sendo publicada previamente à publicação dos 20 CONTRA-CONTOS, de Affonso Blacheyre.
Gabriel Solís (editor)