Jesonias Caitano Donato

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

Jesonias Caitano Donato nasceu em 6 de março de 1941, na cidade de Manhuaçu (MG). No bairro Flamengo (Rib. das Neves), é mais conhecido por Donato.

José Caitano Donato (natural de Jiquiri) e Perpétua Zacarias de Jesus (de Abre Campo), além do filho Jesonias, tiveram outros: o Messias (mais velho), Osias, Adonias, Jeconias (caçula); e as mulheres: Nadir, Lenir e Enir.

Seu José Caitano era um homem simples, espirituoso, com senso de humor; em alguns instantes irônico.

Incansável trabalhador rural que vivia mais das lavouras, hora num canto, hora noutro... a cultivar arroz, feijão, milho... A limpar e colher café, nos terrenos de grandes fazendeiros.

Os filhos homens, desde tenra idade acompanhava o pai nas lides campestres; e aprendiam com ele no dia a dia, o que devia ser feito ao sustento da vida...

Com apenas 2 meses de vida Jesonias ganhou a estrada em viver cigano com os pais; por lugares que nem conheceu, pela pouca idade...

Com uns 10 anos continuou a seguir os passos do pai, em trabalhos no Córrego do Lajão, nas terras da família Peres, termos de Raul Soares (MG).

Nesse oásis em que viveram, era uma rica região de muita água boa e fatura de peixe; havia grandes lagoas: a do Lajão, do Jacaré, do Val-Verde, da Água Limpa...

Mas, nada disso pôde deter seu José por lá definitivamente.

Por um dia ter deixado seu lugar de origem, e este não ter saído de si, ganhou o caminho de volta com a família inteira para o velho torrão natal: Jiquiri, na ocasião pertencente a Ponte Nova (MG).

Jesonias até diz que não teve infância; mas teve (ainda que pouca). Brincou algumas vezes nas noites claras e escuras, com a meninada do seu entorno; em mergulhos e esconde-esconde nas palhadas de feijão (logo após as colheitas e debulhamentos desse sereal).

... Armava, nas matas e capoeiras do lugar suas arapucas que fazia para a captura de passarinhos. Jogava pião, pedras com estilingue, bodoque; e bola com os "amiguinhos" da sua idade; onde enfrentava até marmanjos nessas brincadeiras e não fazia feio...

Estes, irritados algumas vezes com seus dribles desconcertantes, não se conformavam e propunham futuros embates (desejosos há um acerto de contas).

... Em campo (numa expertise), Jesonias ao ver-se acoçado pelo adversário, não "enrolava" com a bola nos pés: a repassava logo ao colega mais próximo: pondo-a correr redonda de pé em pé rumo ao gol.

Uma vez fizeram um campo de futebol no meio de uma mata onde Jesonias e o irmão (Messias) iam treinar, escondidos dos pais. Em algumas partidas que disputavam tinha torcida feminina.

Numa ocasião formaram um time de gente grande e os convidaram a jogar.

Seu time, Jesonias e seus colegas foram muito aplaudidos pela torcida no dia desse jogo; devido às belas assistências e conclusões precisas das jogadas que fizeram.

Nuns dos gols, Jesonias lançou a bola a um colega por entre as pernas de um jogador adversário, Massias (seu irmão) a recebeu em seguida e a lançou ao fundo das "redes". Num lindo gol de placa e ganharam deles de 3x0 nessa partida.

Até então, nada de estudos, de escolas, pois desde muito cedo, Jesonias teve que se dedicar exclusivamente ao trabalho; pelo gosto do pai, em achar desnecessário filho de roceiro estudar.

Aos 7 anos, a chamada "idade escolar", Jesonias tentou ingressar com o irmão mais velho, e não conseguiram. A professora disse a eles: na próxima semana, cada um de vocês traga um caderno, um lápis e uma borracha.

A orientação da professora fora transmitida pelos meninos à mãe, e em seguida ao pai (por ela), que prometeu providências...

Semana seguinte, numa segunda-feira, ainda escuro, seu José começou a mexer numa coisa e noutra pela casa; a bater daqui e dali... acunhou 2 enxadas e numa ironia, chamou os filhos para as aulas...

Jesonias, já acordado com aquela barulheira toda, questionou sobre o horário.

— Tá muito cedo papai!

— Tá não senhor: a escola que nós vamos tá na hora sim. Levantem aí pra tomarmos um café e íamos.

A mãe entrou na prosa: — Uai José em vez docê arrumar o material dos meninos pras aulas, não arrumou e tá levando eles é pro roçado?

José se justificou da maneira que achava certo: — pra que aprender ler e escrever? filho de lavrador não precisa disso.

Na sala de aula do serviço, às orientações do professor paterno não faltavam: — capina direito e muito cuidado pra não cortarem os pés!

Jesonias era o que mais reclamava, chorava e pedia... deixa eu ir embora pai? tô com saudade da mãe! o velho irredutível dizia: agora não, logo você a vê e isso passa.

Com os mosquitos-burraxudos, pelo rosto em suor, pelas orelhas, braços e pernas, bate daqui, dali e Jesonias continuava com os reclames: — Papai, os mosquitos tão me mordendo! — Tá não meu filho, eles tão é se alimentando; precisam disso pra viver.

À tarde o choro do menino continuava e seu José dizia: — aqui Jesonias é o lugar onde o filho chora e a mãe não vê.

... As lições naquele dia (e em anos seguidos) se deram somente no cabo da enxada, no corte do Mato. Por enquanto nada de alfabetização dos meninos.

Nesse trivial campezinho, sem saberem ler e escrever foram-se deles (de Jesonias e de Messias) a primeira e a segunda infância.

Jesonias, muitas vezes seguia carreira solo em seus trabalhos braçais, para um e outro que dependesse dum serviço seu. Por volta dos 15/16 anos uma cobra pesonhenta mudou seu destino...

Ofendido por uma jararaca, não procurou médico (não havia por lá, era coisa rara), o muito que se procurava era uma farmácia, e nem isso o fez dessa vez. Em seu tratamento caseiro foi usado somente a sabedoria dos antigos...

... Com o muito inchaço da perna ofendida sobrepuseram na mordidura, cebola fatilhada em rodelas, acompanhada de outros ingredientes. Por vias orais deram-lhe a beber algumas colheres de cachaça, com sementes de quiabo.

... Abaixo de Deus, com tais recursos terapêuticos, da medicina popular deram vida longa ao menino de seu José e de D. Perpétua.

Ficou o trauma: a partir de então Jesonias nunca mais foi o mesmo... passou a achar-se perseguido por esses animais peçonhentos e, difícil era um dia, não ver (um, dois, ou mais desses bichos).

Um dia não muito longe de casa, iria ajuntar-se a uma grande equipe de trabalhadores a um serviço do seu Antônio Marcondes e disse: — mãe se hoje eu encontrar 3 cobras não trabalho mais por aqui, vou-me embora para Belo Horizonte.

— Ôh meu filho pega com Deus pra ti livrar disso!

— Eu pego com Ele mãe, mas estou sendo perseguido por cobra.

Com as mãos à obra nos terrenos do homem, logo cedo deparou-se com a primeira do dia, e avisou a turma: — Eu vi uma cobra aqui!

A princípio não acreditaram, mas seu Bener botou fé no que o garoto dizia: — vamos procurar, pois, menino quando diz uma coisa é certo. E era mesmo: estava lá sobe uma moita a bichona enrolada; uma enorme jaracuçu, pronta para dar o bote e ver queda da vítima; mas, deram um jeito nela.

Jesonias continuou o trabalho e logo a segunda cobra apareceu desejosa de espalhar seu veneno letal: dessa vez era uma perigosa coral-verdadeira. Jesonias novamente deu o grito, em aviso aos companheiros.

Próximo ao almoço, já avistando a filha do patrão se aproximar, com uma enorme gamela de comida aos trabalhadores...

A terceira cobra apareceu por baixo de uma ramagem a assustar Jesonias grandemente; semelhante à primeira que avistou (a do início do serviço), chamou a turma para ver.

Após seus colegas sacrificarem a bicha, Jesonias colocou sua enxada no ombro, despediu de alguns e foi-se embora.

O patrão ainda tentou convence-lo a ficar (almenos para almoçar), mas não conseguiu. Deixou tudo para trás, até mesmo o meio dia de serviço prestado (sem o devido acerto). Pelo fazendeiro ter dito a ele não pagar pedaço de dia. Jesonias não fez questão disso dando as costas à companheirada, mesmo com a barriga nas costas (de fome).

Ao chegar em casa no início da tarde a mãe o recebeu: — o que aconteceu meu filho? —

Graças a Deus mãe, não aconteceu nada, mas eu encontrei-me com as três cobras conforme disse a senhora. Não vou mais trabalhar por aqui; senão vou morrer mordido de cobra, eu vou-me embora.

Como a mãe sempre dizia quê: "a cisma mata" concedeu-lhe a benção nesse seu novo destino: — Então, vá meu filho, não fica aqui mais; procure seu irmão...

Aos 17 anos, sem um dia de aula sequer, Jesonias chegou a capital do seu Estado; em 2 de fevereiro de 1959.

Num apoio inicial, residiu com o irmão Messias, no bairro Sta. Efigênia, região leste de Belo Horizonte.

Seu primeiro registro em carteira deu-se em 1961, ao ser admitido pela construtora "Consórcio Anderce Conege", como ajudante de pedreiro. Por 2 anos ininterruptos trabalhou nas edificações dos edifícios JK, de 35 andares, projetado por Oscar Niemeyer; ao lado da Praça Raul Soares (Barro Preto).

Nesse canteiro de obras ganhou (da peãozada) o apelido de "Dedão", por não saber assinar seu nome, na ocasião dos pagamentos semanais efetuados pela empresa.

Para comprovar ter pago, ao operário a empresa pedia que o mesmo, sobreposse seu dedo polegar direito numa almofada com tinta preta e em seguida imprimisse suas digitais no recibo.

Sofreu na própria pele a dor do buling, da discriminação e, pensou no tempo perdido, por falta de oportunidade de não ter estudado. — A consequência viera na incompreensão dos colegas; e com ela o desprazer que a falta da leitura faz.

Chamou o irmão (em mesma situação sua) e, procuraram com diligência uma escola mais próxima para se matricularem.

Jesonias e Messias, foram apresentados à diretoria por uma professora, sendo matriculadas no 2° ano primário, no Grupo Escolar Hugo Wernech, na Rua Emílio Alves, bairro de Sta. Tereza.

Tiveram por 1 mês uma atenção especial, por parte de sua professora, em acordo feito coletivamente em sala de aula, com seus colegas. — Pelo grau de dificuldade que tinham e, por vínculos já estabelecido com os novatos.

Trabalhavam até às 17 h e íam diretos para a escola. Nessa instituição de ensino, com muito esforços, dedicação concluíram o 4° ano primário com galhardia.

Uma vez houve nesse educandário, uma gincana onde promoveram um concurso de redação (o tema era sobre o Mártir da Incompetência Mineira: Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes); participaram alunos da segunda a quinta série.

No dia da apuração das dissertações, entregas das premiações, comemorações, Onfrina Swerts da Costa (sua professora) começou a lacrimejar e pediu a diretora que anunciasse os nomes dos primeiros colocados. Esta devolveu a oportunidade a professora Onfrina: — você mesma o faça!

Jesonias presente ao momento solene, no seu canto pensava: "será por que essa dona chora?" — Parece até que a professora ouviu o pensamento do seu aluno, dono da festa; e seguidamente respondeu publicamente seu questionamento.

— Estou chorando de emoção por esse aluno que entrou na minha sala com as maiores dificuldades, trabalha (o dia todo) e ainda tirou em 1° lugar.

... Portanto, Jesonias Caitano Donato é o primeiro colocado desse concurso de redação. — Venha receber o seu prêmio Jesonias!

— Não, não D. Onfrina, não é eu...

— É você mesmo, repito: venha cá receber o seu prêmio! Jesonias fora à frente e recebeu os parabéns, os abraços da diretora, dos professores, dos organizadores da gincana e dos colegas; pela conquista.

Jesonias nem quis acreditar naquilo: mas, fora ele mesmo o grande vencedor daquele dia e recebeu as suas merecidas honras num prêmio mais que merecido, que o marcou para sempre.

Seu troféu fora um lindo exemplar, novinho em folha; um livrão bonito. "A História de José do Egito" que, lia, relia e guardava com muita estima.

Certo dia a D. Perpétua (sua mãe) ao passar por umas necessidades, ajuntou tudo quanto foi de livros que haviam na casa e os levou ao sebo de seu Amadeus, na Rua dos Tamoios com Guaranis, onde foram vendidos por quase nada (um valor irrisório).

Jesonias sentiu muito ao saber que o seu prêmio estudantil havia ido junto aos demais livros para nuca mais vê-lo. Tentou resgatá-lo de alguma maneira pelo preço que fosse, mas, não conseguiu.

Empolgado com a vida de estudante sonhou alto; e estudou mais um ano inteiro num curso de admissão. Queria matricular-se numa Escola Estadual (na ocasião raríssima); o acesso a uma era o desejo de muitos, sonho quase impossível.

Num seguir desse desejo de estudar, tentou ingressar num dos melhores colégios da Rede Pública Estadual de Ensino da capital mineira (o IMACO), localizado no paraíso natural do Parque Municipal da metrópole mineira; e, a isso teve que recorrer por carta, ao chefe supremo da Nação brasileira.

A assessoria do então Presidente da República (General Emílio Garrastazu Médici) retornou a sua humilde solicitação.

"Não será possível conceder sua bolsa de estudos, porque, se assim o fizermos a uma pessoa, o Governo (Federal) terá de conceder a todos aqueles que solicitarem (a mesma), e isso não será possível". — Foi esta a resposta presidencial, diz Jesonias.

Havia , aos 17 anos, conhecido (em Jiquiri) Maria Palhares com 13 anos. Em 1968 se casaram e foram morar no bairro Novo Progresso (Contagem). Dessa união matrimonial vieram um casal de filhos: primeiro o Alcir e depois, a Ciléia.

Em 1982, transferiu a sua residência para o bairro Flamengo, região de Justinópolis, Rib. das Neves (MG).

Em suas atividades laborais do passado consta ter prestado serviços na "Minas Imóveis (por uns 3 meses) e, na "Sonel" como auxiliar de bombeiro e de eletricista; bem mais de 2 anos. Se afastou por um período e posteriormente fora readmitido nesta mesma empresa; com classificação na função de bombeiro hidráulico-oficial, da instituição.

Atuou também como profissional-autônomo nessa atividade. Na condição de segurado do INSS, por problemas sérios de saúde, recebeu por um tempo, seus devidos benefícios; e consequentemente mais adiante, a concessão definitiva de uma justa aposentadoria; aos 35 anos de idade. Com a venda de produtos de limpeza, complementa a sua renda familiar.

Nascido e criado num lar cristão, do seguimento evangélico, Jesonias nunca desviou o seu foco do "sagrado", da sua fé em Cristo. Como diácono coopera já há bastante tempo na comunidade cristã Presbiteriana, onde congrega; no bairro em que vive.

Em meados desse ano corrente, por intermédio da poeta Maria Quirino conheceu a família (ANELCA), Academia Nevense de Letras, Ciências e Artes, nas suas reuniões ordinárias, mensal.

Na categoria de "convidado" pela primeira vez Jesonias (seu Donato) participará da próxima coletânea anual ( XVI - Anelca em Prosa e Verso ) da instituição; que será lançada em novembro próximo, com textos de sua autoria; em participação com antigos e novos escritores, locais, regionais e, do Etado de Goiás.

*Nemilson Vieira de Morais, Gestor Ambiental/Acadêmico Literário.

(6:10:22)

Texto elaborado com a cooperação do biografado (Jesonias Caitano Donato), em entrevista gravada em: (6:10:22)

Nemilson Vieira de Morais
Enviado por Nemilson Vieira de Morais em 08/10/2022
Reeditado em 13/10/2022
Código do texto: T7623040
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