Dor na alma 

Hoje é muito comum vermos jovens fazendo intercâmbio em outros países. Vão para aperfeiçoar idiomas, conhecer novas culturas e viver novas experiências.

 

Há 40 anos atrás, não era assim.

 

Viajar para o exterior era algo espetacular e sofisticado.

 

E quando aos 21 anos, vendi meu carro e piano, encaminhei os trâmites e entrei em um avião rumo à Alemanha, diferentemente do que para os outros parecia, não foi uma ida assim tão glamourosa

 

O calendário marcava 23/12/82.

 

Ao desembarcar as 17h00 em Frankfurt, do dia 24/12/82, já se fazia noite e tudo era escuro e deserto.

 

Quase ninguém nas ruas, nem para dar uma orientação e nem para me assaltar.

 

Ainda não existia a Internet e as poucas anotações que levei estavam escritas em um caderno, cujas palavras já tinha decorado.

 

Sabia a direção do metrô que devia tomar e o ponto onde devia descer.

 

Era véspera de Natal, a cidade gelada, e eu ali perambulando igual alma penada, sem saber exatamente o que tinha vindo fazer ali e o que ia encontrar.

 

Cheguei no endereço de uma casa antiga, onde vivia uma senhora solitária que hospedava uns 2-3 estudantes em sua casa.

 

Nessa época do ano não havia ninguém. Os jovens estavam com suas famílias.

 

A senhora me mostrou o quarto, o banheiro não privativo, fechei a porta pesada

 

Pouco depois desci nos aposentos comuns procurando a cozinha, me deparei com a senhora solitária, montando uma árvore de Natal, de pinheiro verdadeiro, grande, colocando os enfeites e acendendo as luzes das velinhas assentadas em lamparinas.

 

Lembro que estranhei porque ela colocava maçãs na árvore.

 

E também, diferentemente do costume no Brasil, o fato que ela montava o pinheirinho na noite de Natal.

 

Não consegui dizer nada, porque eu tinha dificuldades imensas com o idioma. E porque nem tinha o que falar.

 

O silêncio era total. Nao se ouvia nem o pio de uma coruja.

 

A senhora parecia em paz com a sua solidão e parecia feliz, tão diferente de mim

 

Subi as escadas. Olhei a vidraça embaçada.

 

A noite era deserta e negra. Uma noite escura rondando tudo. Só lembrava da minha família.

 

Só queria tê-los por perto. Meu pai havia falecido há 5 meses.

 

Na ocasião dos serviços fúnebres, não lembro de ter chorado

 

Nesta noite de Natal, olhando as paredes em volta, a mala ainda intocada ao lado da porta e a única certeza de que muitos meses teriam que se passsar até eu poder retornar à minha casa.

 

Encolhida na cama, chorei.

 

Entre soluços abafados para não chamar a atenção da senhora, as lágrimas foram brotando e por momentos me senti afogar .

 

Chorei a noite impiedosa e escura que habitava em mim. Um luto imenso, não só da perda do pai, mas de todas as dores que carregava, da dor de uma existência cheia de perturbações

 

Todo o choro reprimido. Vencida pelo cansaço extremo, adormeci.

 

Lágrimas que não se esgotaram e diariamente floresciam durante quase um ano, não obstante às belas oportunidades e pessoas maravilhosas que pude conhecer

 

E aprendi uma lição que trago para a vida:

 

Não importa aonde você vá, os problemas não resolvidos e os sentimentos vão te acompanhar.

 

 

As feridas primeiro precisam ser curadas e depois pode ocorrer a mudança de lugar. E não o inverso.

 

Não há lugar no mundo que te livre da dor. E dores do coração doem insuportavelmente em quem sente demais.

 

E quando a essas pessoas se junta aquele pouco de coragem que felizmente não tive, aquela gota d'água  que falta,...

 

 

Karin Romanó
Enviado por Karin Romanó em 28/08/2022
Reeditado em 31/08/2022
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