"Augusto Ruschi e o Desafio do Desenvolvimento Sustentável" :

considerações analíticas



                                                     


Em pleno século XXI, as ações em prol do meio ambiente equilibrado e do desenvolvimento sustentável constituem grandes desafios para toda a humanidade. Como patrono da ecologia no Brasil, Augusto Ruschi empenhou-se não apenas no estudo minucioso da natureza; mas, sobretudo, trabalhou para defendê-la e preservá-la, sob a égide de princípios humanitários. Dissertar, portanto, sobre a obra do aludido biólogo torna-se uma tarefa profícua, seja no âmbito do conhecimento sobre equilíbrio ambiental, seja na área pragmática de medidas aptas a promovê-lo, em perspectivas sociais, a despeito de inúmeros empecilhos ecológicos no mundo hodierno. 


Augusto Ruschi nasceu em 1915, no município de Santa Tereza, cidade de colonos italianos no Espírito Santo, e desde a infância já demonstrava disposição em estudar o meio ambiente, de forma devotada. Ele foi o oitavo entre os doze filhos do casal de imigrantes Maria Roatti e Giuseppe Ruschi, agrônomo que veio ao Brasil com o escopo de auxiliar no desenvolvimento das colônias italianas, na supracitada região. Ressalte-se, oportunamente, que a família “Ruschi” detém séculos de trabalhos tradicionais com ciência e plantas, inclusive durante o Renascimento na Itália, com os estudos de Giovani e de Pietro Ruschi, integrantes do grupo intelectual de Galileu e Michelangelo. 


           O próprio nome dessa família, conforme salientam vários pesquisadores, originou-se da espécie Ruscus aculeatus ou “azevinho do campo”, planta descrita minuciosamente pelos ancestrais de Augusto que, desde criança, apresentava fascínio pelas flores cultivadas pelo pai em sua chácara “Anita”. Assim, o biólogo desenvolveu habilidades de autodidata, concomitantemente ao início de seus estudos regulares no Colégio Ítalo-Brasileiro, em Santa Tereza. 


Aos dez anos, Augusto Ruschi passou a residir em Vitória, capital do Espírito Santo, onde pôde freqüentar o Colégio Estadual sem prejuízo de suas perquirições científicas, tão ínsitas ao seu próprio temperamento investigativo. Nesse sentido, Ruschi surpreendeu cientistas nas primeiras décadas do século XX, quando implementou, com apenas doze anos de idade, um estudo minucioso sobre uma praga dos laranjais, com descrições atinentes ao ciclo de vida de tal inseto, após tê-lo observado durante meses. Em tal oportunidade, o menino Ruschi enviou ao cientista e professor Mello Leitão, que trabalhava no Museu Nacional, um relatório acompanhado de, aproximadamente, quinhentas caixas com amostras da referida praga. Esse estudo do jovem Ruschi foi encaminhado pelo supracitado professor ao cientista italiano Felippo Silvestre, especialista naquela espécie de praga em lavouras, que salientou a importância de tais informações para a superação de problemas agrícolas.


Depois dessa e de outras experiências de êxito, Augusto Ruschi passou a trabalhar, aos dezessete anos, para o Museu Nacional e para o Jardim Botânico, como coletor de materiais zoológicos, em importantes pesquisas. Assim, fixou residência no Rio de Janeiro, onde foi estudante e professor da Universidade Federal do Brasil (atualmente designada de Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), em 1937, com apenas vinte e dois anos. A vida acadêmica de Ruschi, nesse sentido, suscitou-lhe não apenas grandes estudos teóricos sobre os temas de Biologia que lecionava, mas também lhe proporcionou um conjunto de questionamentos para as suas práticas de pesquisa ecológica, em centenas de excursões pelo mundo, sobretudo pela Mata Atlântica, onde o biólogo trabalhou por cinqüenta anos. 



A obra de Augusto Ruschi, nesse sentido, é tão extensa quanto sua dedicação ao estudo minucioso da fauna e da flora brasileiras. Como cientista, agrônomo, bacharel em Direito, topógrafo, ecologista e ornitólogo, Ruschi empenhou-se no estudo contínuo da natureza, com cerca de quinhentos trabalhos científicos publicados e vinte e dois livros, entre os quais se destacam os dez volumes de “Aves do Brasil”, em que o biólogo descreve aproximadamente 2.700 espécies e subespécies de pássaros. Saliente-se, por oportuno, que Ruschi classificou oitenta por cento das espécies brasileiras de colibris e se tornou a maior autoridade mundial em beija-flores, um dos grandes fascínios de sua vida. Ademais, Ruschi catalogou cerca de seiscentas espécies de orquídeas, além de identificar cinqüenta novas espécies dessas flores, descritas em um livro inacabado: “Orquídeas do Espírito Santo”. Por esse trabalho com a flora brasileira, o ecologista ensejou a nomenclatura de um gênero de orquídea, a Ruschia, estudada com afinco e rigor científico. 


 No âmbito político e social de suas atuações, Augusto Ruschi serviu durante muitos anos aos Ministérios da Agricultura e da Educação, bem como ao governo do Espírito Santo, com seus estudos e trabalhos ambientais. Durante a década de 1940, o naturalista assessorou a Secretaria de Agricultura do aludido estado brasileiro, de modo a implantar diversas unidades de conservação ecológica, com seu entendimento pioneiro sobre medidas preservadoras dos biomas. Em 1949, Ruschi fundou, em sua chácara “Anita”, uma instituição científica denominada “Museu de Biologia Professor Mello Leitão”, a partir do qual foram publicados mais de quatrocentos boletins ambientais, inclusive sobre a imprescindibilidade do desenvolvimento sustentável. Tal museu, implantado por Ruschi em suas terras de Santa Tereza, possui uma área de oitenta mil quilômetros quadrados, com vários pavilhões de botânica, laboratórios, cativeiros e biblioteca específica, com imenso acervo de dados sobre a Mata Atlântica. 



           Ademais, o biólogo edificou sua segunda instituição científica, a “Estação de Biologia Marinha Ruschi”, com o assíduo escopo de pesquisar a natureza, conservando-a sob os parâmetros do equilíbrio ambiental e da responsabilidade pelo uso dos recursos naturais. Por meio dos estudos desenvolvidos nessas instituições, Augusto Ruschi defendeu vários conceitos pioneiros no âmbito ecológico, como as idéias de manejo sustentável das florestas tropicais e de controle biológico de certas enfermidades, além de ter denunciado freqüentemente os efeitos deletérios do uso de agrotóxicos.  



 Já durante a década de 1950, Ruschi defendeu com argúcia a tese das reservas ecológicas em um dos primeiros congressos florestais de âmbito internacional, em Roma, onde demonstrou pioneirismo no enfoque sobre a imprescindibilidade de preservação metódica dos ecossistemas. Desse modo, a idéia de Ruschi se expandiu e foram implementadas as primeiras reservas florestais em diferentes países, ainda nos anos de 1950, em consonância com as preocupações ecológicas que foram aumentando nas décadas seguintes. O próprio Augusto Ruschi foi responsável pela edificação de várias reservas florestais no Brasil, como, por exemplo, o “Parque Nacional do Caparaó”, na Mata Atlântica. 


Com o advento da ditadura militar brasileira, a partir de 1964, Ruschi foi um dos poucos cidadãos que se manifestaram abertamente contra a derrubada de matas na Amazônia e contra a devastação da fauna e da flora nacionais. Ressalte-se, nesse sentido, a influência de biólogos como Ruschi para a promulgação da Lei 5.197/1967, cujo escopo precípuo consistia em proteger a fauna brasileira. Em tal perspectiva, o biólogo em apreço implementou a fundação da “Sociedade - Amigos dos Beija-Flores”, com o auxílio do jornalista Assis Chateubriand, em prol da preservação da natureza, apesar do autoritarismo militar. O respeito de Augusto Ruschi pela natureza era tão intenso e lídimo que, no ano de 1977, ele se arriscou em uma grande intriga com o governador do Espírito Santo, Élcio Álvares, que pretendia instalar uma fábrica de palmitos enlatados na região da Reserva de Santa Lúcia, uma das estações biológicas do Museu Nacional. Para tolher esse descalabro, Ruschi utilizou-se de uma espingarda e, pessoalmente, impediu que os fiscais do governo adentrassem a reserva aludida, fato que ensejou grandes repercussões na imprensa do Brasil e do exterior, com subseqüente êxito na preservação da área biológica. 


Já na década de 1980, importantes atos legislativos foram promulgados no Brasil, entre os quais se destacaram as Leis 6.902/1981 (de proteção ambiental) e 6.938/1981 (da política nacional do meio ambiente), em consonância com movimentos ecológicos e sob a égide de idéias lançadas por estudiosos como Ruschi. Em 1986, após profícuas décadas de trabalhos ambientais, Augusto Ruschi faleceu em decorrência de doenças adquiridas nas florestas, além de cirrose hepática, embora tivesse se submetido a diferentes tratamentos, inclusive a um ritual indígena de cura designado de “pajelança”. Em respeito aos seus desejos finais, foi enterrado na Reserva de Santa Lúcia, no dia cinco de junho, dia mundial do meio ambiente, deixando excelsa contribuição aos ecologistas e aos cidadãos de todo o planeta. Um de seus três filhos, André Ruschi, vem conferindo seqüência ao trabalho científico até aqui analisado, tendo, inclusive, proposto o texto do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que enuncia o direito de todos ao meio ambiente equilibrado, como garantia imprescindível das presentes e das futuras gerações. 

               
             De fato, o agravamento de vários problemas ambientais nos últimos anos, desde a devastação amazônica até o aquecimento global, tem causado preocupações internacionais, mormente pela dicotomia muitas vezes aferida entre o avanço técnico-capitalista e atos conservadores da natureza. Durante séculos, o dito “progresso” industrial e tecnológico foi implementado sob a égide do que seria mais lucrativo, em detrimento dos atos ecologicamente precípuos. Diversas organizações não-governamentais ao redor do mundo trabalham para difundir idéias de educação ambiental, de reciclagem de recursos, de preservação das águas, da fauna e da flora, entre outras medidas, alcançáveis por meio de vários métodos que exigem esforço dos indivíduos e práticas cooperativas entre os países. 


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