BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - CULINÁRIA COMO UM DOS PRAZERES DA VIDA

Ricardo sempre teve na culinária uma das suas fontes de prazer. Após o convívio com a esclerose múltipla, no entanto, seu interesse passou a ser ainda maior. Talvez porque tivesse que, de tempos em tempos, seguir rígidas dietas restritivas.

Tal condição despertou nele o senso de urgência, de viver os prazeres da cozinha de modo intenso. Intenso, mas sem extrapolar limites médicos ou se prejudicar. Havia o senso de urgência, mas era regido por uma régua equilibrada, por parâmetros saudáveis.

Ricardo entendia bem que certos alimentos poderiam devastar seu organismo e atrasar estágios da luta inglória que travava contra o avanço da doença. Ficar como uma grávida desejando comer algo e não realizar era algo que também o incomodava. A solução, como bom engenheiro, era dosar tudo isso, usar o senso lógico e se valer daquilo que não o prejudicava ou daquilo que seria levemente evitado, em porções mínimas. Para não ficar com desejo. Para não ficar frustrado.

Em todo o tempo que trabalhou na Vera Cruz e na Planagri fazia questão de almoçar em casa junto à família. Todas as refeições tinham esse caráter sagrado, de reunião, de confraternização. E era também um jeito de seguir com mais rigor as diretrizes alimentares recomendadas.

Em casa era mais difícil driblar o roteiro das dietas. Como se sabe, prazer culinário e dieta são incompatíveis normalmente. Ricardo tentava sempre dar um toque pessoal, fazer pequenas concessões e incluir algo que gostava. Myrinha dava a palavra final, pelo menos nas refeições em casa. Ela não era radical. Sabia temperar a comida do marido com uma base saudável forte, com ligeiras licenças para itens que lhes deixava feliz.

No período que esteve à frente da Jalles Machado – 2006 a 2008 -, Ricardo passou a almoçar no refeitório da empresa. Como faziam o pai, Otávio Lage e o irmão, Otavinho. Era uma tradição de família dentro da empresa. Dividir as refeições com os colaboradores. O mesmo cardápio, aliás.

Por conta da sua limitação, Ricardo poderia pedir a comida na sua sala. Seria compreensível. Seria até recomendado. Mas ele não entendia assim. Fazia questão de se deslocar até o refeitório como todos faziam e lá almoçar. Não queria ser diferente de ninguém. Odiava ter privilégios. Mesmo que fosse um direito por conta da condição física. Mesmo assim era muito para ele.

Durante um tempo ele descobriu uma sobremesa incrível: o famoso doce de figo da chef Maria Lúcia. Por conta da esclerose, não era recomendado que comesse doce em grande quantidade. Se pudesse evitar seria ainda melhor. Mas como resistir? O doce o deixava feliz, o deixava sereno.

Um dia, porém, Ricardo foi surpreendido com Myrinha para o almoço na empresa. Ele havia combinado com Maria Lúcia para fazer o doce. Iria se esbaldar, pensou. Com a esposa lá, ficou sem graça, com receio de ser advertido quanto ao doce. Fazia sinais, mímicas discretas para a chef, que não estava entendendo. Até que ela percebeu que era para servir apenas uma pequena porção do aclamado doce de figo.

Notando a situação, Myrinha quebrou o gelo:

- Uai, só tem um pouquinho de doce? Que doce gostoso!

Ela notara que o marido adorava aquilo e não era nenhum pecado se exceder às vezes. Depois recuperaria os “pontos perdidos” na próxima dieta.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 01/07/2022
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