DE ENGENHEIRO EM BELO HORIZONTE PARA PRODUTOR DE SEMENTES EM GOIANÉSIA
O ano era 1978. Ricardo vivia seu melhor momento profissional. Havia se formado em Engenharia Civil há pouco tempo, mas já atuava na área, com um início bastante promissor. Junto com o melhor amigo Renato, havia criado a construtora Siqueira e Biagioni Ltda. Após o início de vacas magras, estavam já começando a colher os frutos do trabalho.
Belo Horizonte vivia nesta época um período de verticalização na sua arquitetura. Era uma cidade de mais de 1 milhão de habitantes e crescia e se desenvolvia em escala muito rápida. Ricardo e Renato tinham um campo de trabalho quase que infinito para conquistar. E já estavam dentro do mercado, já tinham erguido edifícios e o nome na placa já tinha certo peso. Já inspiravam credibilidade.
A década de 1970 colocou Belo Horizonte em outro patamar no cenário brasileiro. A região metropolitana foi criada em 1973, puxada pelo desenvolvimento industrial de Contagem e pelo polo automobilístico de Betim. A chamada Grande Belo Horizonte se tornou um enorme colosso urbano, com quase 2 milhões de moradores no final da década.
Era exatamente neste contexto que estava a construtora. Dentro de uma capital pulsante, com fome de crescer em direção ao céu. Cada vez mais o espaço ficava pequeno, a segurança mais rarefeita e as opções eram morar em apartamentos. Quem construía prédios tinha um ótimo futuro na cidade. Ricardo, pelo ritmo que estava crescendo, em dez anos no máximo, teria construído dezenas de empreendimentos imobiliários e ganhado muito dinheiro e feito seu nome na cidade.
Além disso, Myrinha era membro de uma tradicional família mineira, era o que se chama de belorizontina da gema. Toda a sua vida estava naquela cidade, onde também viviam seus pais, seus avós. Havia toda uma linhagem dos Penna ali. E para completar, Myrinha ainda não havia concluído seu curso de arquitetura na UFMG. Iam ser uma dupla com muito sucesso na cidade: ele construindo e ela projetando prédios e casas. O casal já tinha um filho recém-nascido, Rodrigo. Tudo conspirava para que a vida seguisse em Belo Horizonte. Estava tudo dando muito certo, como eles haviam planejado desde o início. Estavam felizes e se sentiam realizados.
A família de Ricardo tinha raízes no agronegócio, apesar da formação dos homens do clã em engenharia civil. Jalles Machado, seu avô, além de político e atuar na área de formação, teve uma vida no campo. Otávio Lage, seu pai, após conseguir o diploma de engenharia, se instalou na Fazenda Vera Cruz e começou a atuar na pecuária. A família possuía negócios sólidos no campo.
A família de Myrinha não tinha laços com a zona rural. Ela era uma moça da cidade. Estava afeiçoada a bailes, lanchonetes, parques, cinemas, à frenética vida urbana. Gostava de viver na selva de pedras, de morar entre aquele tanto de gente, naquele emaranhado de ruas e edificações. Ali era seu mundo, sua zona de conforto. Ela se via formando arquiteta e ajudando a aumentar o número de prédios e casas daquela cidade já tão grande.
Em Belo Horizonte ela havia imaginado viver feliz para sempre com Ricardo, seu príncipe encantado. Ali criaria seus filhos, que lhes dariam netos. Faria mil coisas no trabalho e viveria muitas aventuras em família. Não sabia exatamente o que, mas sabia que seria em Belo Horizonte. Essa era uma certeza que ela carregava e que imaginou que não estaria a um passo de ruir, de se transformar em nada.
Dentro desse mundo já em marcha, com todas as coisas em seu lugar, com as certezas maiores que as dúvidas, acontece o convite de Otávio Lage a Ricardo. De largar a carreira profissional, recém decolada, e se arriscar em nova função, como gerente de uma empresa de sementes agrícolas, na zona rural de Goianésia, na época uma cidade de pouco mais de 20 mil habitantes. Era um mundo muito diferente do que Ricardo estava lidando no momento. Um mundo para o qual ele não havia se preparado. Foi um convite que começou a abalar suas certezas, suas convicções. Muito estava em jogo. Além do já citado, ele tinha responsabilidades na empresa, com seu sócio, Renato.