BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - O CORAÇÃO QUASE NÃO AGUENTOU

O ano de 2004 foi muito severo para Ricardo Fontoura. Sob forte estresse no primeiro semestre por conta da grave crise que atingiu o setor de sementes no Brasil, com uma medida do Governo Federal, que desvalorizou o mercado e mergulhou o setor em caos e dívidas, Ricardo sentiu o baque.

Passou a dormir mal, se alimentar mal. Seu humor foi a zero. Muitas preocupações, um cenário futuro pavoroso e muitas responsabilidades sob seus ombros. O que antes era um manso rio a correr de forma contínua se transformou num agitado e desvairado mar. Ricardo sentiu-se à deriva.

Mas, otimista por natureza, seguiu em frente, trabalhando ainda mais, acreditando que iria conseguir sair do turbilhão. No feriado de 10 de junho – Corpus Christi -, ele chamou o auxiliar Alexandre Pimentel, para fazer uma visita à Unidade Otávio Lage (UOL). Era de manhã. Seria uma visita relativamente rápida. Passou na casa de Alexandre com sua caminhonete e seguiram viagem. Dentro do carro, o sempre falante Ricardo estava um pouco calado, demonstrando algum desconforto.

“Está tudo bem, Ricardo?”, pergunta Alexandre. “Está sim, meu amigo. Só estou um pouco cansado”, devolveu Ricardo, sem tirar os olhos da estrada. A viagem seguiu, um pouco sem graça. Quase chegando à UOL, Ricardo pede para Alexandre assumir a direção. “Não estou me sentindo muito bem”, justificou.

Alexandre arregalou os olhos e viu que o patrão não estava nada bem, que podia não ser um simples cansaço. “Ricardo, nunca dirigi carro automático, será que consigo?”, indagou. O empresário explicou o básico de como lidar com o câmbio e já passou para o banco do carona, pálido, com a cabeça pendendo.

“Ricardo, é melhor a gente voltar para Goianésia. É bom você ir ao hospital ver o que está acontecendo”, sugeriu Alexandre. Teimoso, Ricardo disse: “Besteira, é só um mal estar. A gente vai lá na empresa e depois, quando voltar a Goianésia, vou ao médico medir a pressão”, disse. Mas foi traído pela própria condição. Estava prestes a desmaiar e começou a colocar a mão sobre o peito. Pegou, com dificuldade o celular e ligou para Myrinha. “Eu não estou bem, estou me sentindo um pouco indisposto e meio fraco, um mal estar”, sussurrou ao aparelho.

Myrinha, com seu senso prático, indagou: “Você está sozinho, está onde?”. “Estou chegando na UOL, estou com o Alexandre”, respondeu Ricardo. Ela percebeu que não estava nada bem e pediu: “Então vem embora, Ricardo”. Sempre confiante no julgamento da esposa, Ricardo cedeu. “Eu estou indo, o Alexandre vai dirigindo, vou ensinar ele a dirigir carro automático”, disse, tentando zombar do amigo. Myrinha foi específica: “Então vem direto para o Hospital São Domingos, vou te esperar lá”.

Myrinha estava esperando a visita da mãe, Dona Myrian e do primo João. Viriam de Belo Horizonte para passar o feriado prolongado com ela. Quando Ricardo ligou era pouco depois das 10h. “Cida, serve o almoço para minha mãe e meu primo quando eles chegarem. Eu vou lá para o São Domingos esperar o Ricardo, que está se sentindo mal. Se eu demorar, recebe eles e pode servir o almoço. Quando a gente chegar, almoça, tá bem?”, orientou a secretária Cida, que trabalha há três décadas com a família.

Organizada a parte caseira, Myrinha ligou para o cardiologista Dr. André, médico acostumado a atender a família. “Olha, o Ricardo não está se sentindo bem. Está vindo da fazenda e está indo direto para o São Domingos, o senhor pode ir lá atendê-lo?”, perguntou Myrinha, já angustiada. “Claro, claro, estou indo pra lá agora”, respondeu o médico.

Poucos minutos depois, Alexandre estacionou a caminhonete na frente do hospital e ajudou o Ricardo a descer. Ele estava branco como uma folha de papel e suando frio, suando muito.

Um minuto depois chegou o médico e já fez um eletrocardiograma do Ricardo. Ao pegar o resultado, Dr. André fez um pedido insólito para Myrinha. “Me empresta seu celular”, pediu, fazendo alguns sinais com a cabeça para que ela saísse do quarto. Myrinha estava com dois celulares na mão, o dela e o do Ricardo. Ela pareceu não entender o sinal. Na verdade, o médico estava sendo sutil ao pedir para ela sair. Queria conversar a sós com ela sobre o Ricardo.

Como viu que Myrinha não compreendeu a mímica, ele foi direto: “Vem aqui fora, um pouco, por favor”, e foi saindo para o corredor. “Olha, vou ser honesto. Seu marido está infartado!”. Myrinha pareceu ter recebido um choque de mil volts. “Como assim, infartado? Não é possível!”, exclamou Myrinha, ainda incrédula.

Myrinha se recordou de quando Ricardo falava que tinha que olhar o coração porque todo mundo da família tem problema cardíaco. “Não, Ricardo, você já tem a sua cota de doença. Você já tem esclerose, você não vai ter problema de coração, não”, costuma dizer para acalmá-lo.

“Eu, como médico aqui e agora, minha função é dar para ele um trombolítico”, disse Dr. André. “Para fazer isso nem dependo da autorização da família, é minha obrigação como médico, o protocolo. A sorte é que temos isso aqui. É um remédio para derreter o coágulo do coração”, explicou.

O médico administrou o medicamento e o primeiro resultado foi ótimo. Recanalizou a artéria e conseguiu evitar o pior. Mas o que estava bom durou pouco: o canal fechou de novo. Aí Myrinha entrou em pane. Ligou para o filho, Rodrigo, que ia aproveitar o feriado para passear com a então noiva, Taíssa, na fazenda do pai dela. Iriam passar o final de semana lá.

“Rodrigo, seu pai não está bem, está internado aqui no São Domingos”, disse. Ele entendeu a gravidade da situação. “Então é melhor eu não ir né?”. Ela assentiu. “Não. É melhor você ficar para ajudar a cuidar do seu pai”.

Rodrigo já correu para o hospital e começou a fazer ligações. Conseguiu uma UTI aérea para transportar o pai para um hospital de referência. A questão surgiu aí: Goiânia ou São Paulo?

Myrinha estava convencida que era melhor levar logo para São Paulo. Pela lógica dela, como Ricardo não era um paciente comum, já que também tinha esclerose múltipla, era preciso de um especialista que abarcasse também essa doença, além do problema no coração. São Paulo tem mais recursos que Goiânia, naturalmente. Mas é mais longe e o caso era urgente.

Um tio da futura nora, Taíssa, aconselhado por Rodrigo ligou para Myrinha e a convenceu a levar para Goiânia num primeiro momento. “Olha, você tem que pensar o seguinte: ele tem as duas coisas, mas o coração é urgência. Então uma viagem até São Paulo, e se chegar lá, até arrumar um hospital, até ser atendido, demora muito tempo. E a esclerose múltipla não tem urgência. Então pensa se não é melhor trazer para Goiânia, atender a urgência, e depois se for o caso, leva daqui para São Paulo”.

Após pensar por uns cinco minutos, Myrinha achou bastante razoável a sugestão. Era o melhor a fazer. Estava decidido. O avião levou Ricardo até Goiânia.

Chegando à capital, Ricardo foi direto para a UTI de um hospital. O primeiro procedimento foi colocar realizar uma angioplastia, que é a colocação do stent, que desobstrui o vaso sanguíneo. A cirurgia cardíaca foi um sucesso.

Enquanto Ricardo estava na sala de cirurgia, Myrinha estava do lado de fora em estado de choque. “Ele já havia sido ‘super premiado’ pela vida, a cota dele já era grande demais, meu Deus!”, repetia para si mesma, no corredor.

A recuperação foi um sucesso. Em novembro, Ricardo retornou ao hospital para implantar novo stent, mas como procedimento de rotina. Era, de fato um mal de família, já que o pai teve problema cardíaco, o tio Jair, a tia Nise e os irmãos Otavinho e Jalles. Mesmo “premiado” com a esclerose, Ricardo teve que superar mais este desafio, teve que ter o coração forte.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 16/05/2022
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