BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - A ÚLTIMA VIAGEM AOS ESTADOS UNIDOS
Poucos meses antes de morrer, Ricardo fez a Miami, no Estados Unidos, sua última viagem internacional. Uma das mais especiais de toda a vida. E também a que mais dor física lhe causou. A esclerose múltipla impunha limites cada vez maiores. A dor nas pernas se tornava insuportável. Os braços sentiam o peso de chumbo ao fazer um gesto simples.
Mas Ricardo já havia aprendido a testar os próprios limites e sempre queria ir um pouco além. E aquela era viagem de valor sentimental muito grande. Estava ao lado da filha Tereza, ajudando a escolher o enxoval da Alice, a neta de número 5.
Ainda no aeroporto, Tereza demonstrava preocupação com a saúde do pai e se sentindo um pouco culpada por saber que ele estaria sentindo mais dor que o normal. Mas Tereza também se sentia especialmente feliz por viver aquele momento de pai e filha. De escolher as roupas que a Alice iria vestir. Notava no rosto do pai uma expressão de alegria, de satisfação.
Ela chegou, por desencargo de consciência, perguntar se ele não queria ficar no hotel, descansando. Ela iria sozinha escolher o enxoval, não tinha problema.
- Não confia no bom gosto do seu pai para escolher roupa de bebê? – Foi a resposta, bem humorada, algo que ela conhecia bem, de longa data. O bom humor para apoiar alguma teimosia.
Tereza sabia que nada faria Ricardo desistir de viver aquele momento. E, entendendo que estava participando de algo grandioso para sua vida, resolveu curtir a companhia e foram às compras.
Na primeira loja, Ricardo se encantou com uma manta azul. Até brincou que lembrava a bandeira do Cruzeiro, que seria uma inspiração para a Alice. Tereza riu da tentativa, mas retrucou que a filha seria Flamengo. Aquela história rendeu pelo menos meia hora de uma discussão doce sobre futebol. O clima ficou ainda mais leve, menos solene e mais suave. Combinava com o clima que estava em Miami naquela manhã.
Após se entediar na terceira loja, Ricardo já quis antecipar o almoço. Usando sua autoridade de pai, decretou o restaurante e o cardápio. Queria comer frutos do mar, mesmo contrariando algumas recomendações médicas.
- O médico não está aqui e um camarãozinho não vai fazer tão mal! – disse, com aquela gargalhada de menino travesso, que encarnava quando estava com os filhos.
E assim seguiu o dia, compras de mantas e roupinhas, almoço com iguarias do mar, uma pausa para apreciar a praia e as gaivotas, num deque, naquela atmosfera de pai e filha, felizes, bem unidos, como se fosse uma despedida. Mas tudo ali era alegre, era leve.
Ricardo estava super empolgado com a chegada iminente de mais uma neta. Não parava de falar sobre isso. Alice já era amada antes de nascer. “Esse passeio foi muito marcante para mim, dividir todas aquelas pequenas decisões com o meu pai, foi um presente dos céus para mim. Ali nosso laço foi ainda mais forte, nos aproximamos muito mais, era como voltar a ser criança”, relata Tereza, ao relembrar o passeio.
Para Ricardo foi também uma oportunidade de enfrentar seus limites e vencer mais uma vez, como era comum em sua trajetória, sua luta diária. Cumpriu sem reclamar todos os itinerários, pilotando bem sua cadeira motorizada. Por várias vezes fazia alguma piada sobre a cadeira. Tereza ria. Gostava da arma que o pai usava para enfrentar a esclerose múltipla.
Ficaram três dias em Miami. Nem só de compras de enxoval foi feito o passeio. Foram a bons restaurantes, lanchonetes e, claro, à praia. Ricardo era um amante de praia, se sentia livre perto da água. Gostava especialmente do pôr do sol. Ficava lá olhando fixamente, sem dizer palavra, vendo o sol mudar suas tonalidades e ir embora, em meio às águas do mar. Não precisa explicar como aquele breve fenômeno da natureza comovia Ricardo. Ali era um momento só dele, mas quem estava perto conseguia perceber que ali estava um homem que sonhava coisas grandes. No momento do pôr do sol, com todo aquele silêncio, era possível ouvir seu entusiasmo pela vida e do muito que ele ainda planejava conquistar.