ORLANDO TEJO
Nascido em Campina Grande - PB, em 1935, Orlando Tejo, faleceu em Recife - PE, em 01 de julho de 2018. Advogado, jornalista, ensaista e poeta, é conhecido mundialmente por sua obra prima - “Zé Limeira O Poeta do Absurdo” (1973). Mais um caso clássico em que, a obra, ou o personagem, superam o próprio autor. Um outro bom exemplo, é o das gêmeas Ilíada e Odisseia, que brilham além de Homero, e que também registram mitos transferidos pela tradição oral.
Como jornalista, Tejo colaborou na Rádio Caturité, Jornal Diário da Borborema, Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco e Correio Braziliense. Ainda que apresente seu emblemático ensaio literário como uma biografia, e que tenha, por toda a vida, defendido a existência do seu Limeira exatamente como registrou, a polêmica, talvez até desejada pelo próprio Tejo, persiste e se arrastará pela imortalidade de sua obra surreal.
É vasta, e muito rica, a repercussão da obra prima de Tejo, por isso, registraremos aqui alguns dos muitos outros escritos de sua autoria.
Escrito para teatro, “A Hora e a Vez do Jumento”, traz o estilo fescenino de Tejo na linguagem típica do folhetim de cordel, em que critica a política do seu tempo. Crítica que se apresentaria de forma contundente, no protesto da letra de “O Meu País”, parceria com Gilvan Chaves, musicada por Livardo Alves:
“Um país que crianças elimina
Que não ouve o clamor dos esquecidos
Onde nunca os humildes são ouvidos
E uma elite sem Deus é quem domina
Que permite um estupro em cada esquina
E a certeza da dúvida infeliz
Onde quem tem razão baixa a cerviz
E massacram-se o negro e a mulher
Pode ser o país de quem quiser
Mas não é, com certeza, o meu país.
Um país onde as leis são descartáveis
Por ausência de códigos corretos
Com quarenta milhões de analfabetos
E maior multidão de miseráveis
Um país onde os homens confiáveis
Não têm voz, não têm vez, nem diretriz
Mas corruptos têm voz e vez e bis
E o respaldo de estímulo incomum
Pode ser o país de qualquer um
Mas não é, com certeza, o meu país.
Um país que perdeu a identidade
Sepultou o idioma português
E aprendeu a falar pornofonês
Aderindo à total vulgaridade
Um país que não tem capacidade
De saber o que pensa e o que diz
Que não pode esconder a cicatriz
De um povo de bem que vive mal
Pode ser o país do carnaval
Mas não é, com certeza, o meu país.
Um país que seus índios discrimina
E a ciência e as artes não respeita
Um país que ainda morre de maleita
Por atraso geral da medicina
Um país onde escola não ensina
E hospital não dispõe de raio-x
Onde a gente dos morros é feliz
Se tem água de chuva e luz do sol
Pode ser o país do futebol
Mas não é, com certeza, o meu país.
Um país que dizima a sua flora
Festejando o avanço do deserto
Pois não salva o riacho descoberto
Que no leito precário se estertora
Um país que cantou e hoje chora
Pelo bico do último concriz
Que florestas destrói pela raiz
E a grileiros de fora entrega o chão
Pode ser que ainda seja uma nação
Mas não é com certeza o meu país.”
Além de - “As noites do Alvorada" (poesia), vejam que belos versos encontraremos em seus sonetos:
“Soneto dos dedos que falam”
Que importa que foguetes cruzem marte
E bombas de hidrogênio acabem tudo,
Se aos meus dedos, teus dedos de veludo
Ensinam que o amor é também arte?
Não desejo mais nada além de amar-te
Em êxtase vivo, absorto e mudo,
Sorvendo da ternura o conteúdo
Que antes te buscava em toda parte!
Esses dedos que afago entre meus dedos,
Que acaricio a desvendar segredos
De amor nestes momentos que nos prendem,
Têm qualquer coisa que escraviza e doma,
Porque teus dedos falam num idioma
Que só mesmo meus dedos compreendem.
“Conceição 63”
Rua da Conceição, sessenta e três
(a artéria tem o ar de um cais comprido)
aqui, anos sem fim tenho vivido
buscando a infância azul que se desfez.
Talvez seja isso um sonho, mas talvez
este meu velho abrigo tenha sido
da mesma argila minha construído,
porque é a mesma a nossa palidez
Ele a mim se assemelha: é ermo e triste.
no jardim, no quintal, no chão, no teto
em tudo a mesma semelhança existe.
No tempo, entanto, a céleres arrancos,
o seu telhado vai ficando preto
e os meus cabelos vão ficando brancos
Ou o livre exercício da dúvida em:
“Impasse”
Se ficar onde estou não faço nada,
Se sair por aí corro perigo,
Se me calo minhalma é sufocada,
Se disser o que sei faço inimigo...
Se pensar vou trair a madrugada
E se sonho demais vem o castigo,
Se quiser subo até o fim de escada,
Mas precisa brigar, e eu não brigo!
Se cantar atropelo o contracanto,
Se não canto maltrato o coração,
Se me faço sofrer me desencanto,
Se reprimo o ideal perco a razão,
Se perder a razão, resta-me o pranto
E meu pranto não faz uma canção.
E o libelo gritado contra a peste dos inglesismos:
“NÃO AGUENTO MAIS”
Eu saí da Paraíba,
Minha terra tão brejeira,
Pra fazer publicidade
Na Veneza Brasileira
Onde a comunicação
É toda em língua estrangeira.
É uma ingrizia só
O jeito de se falar
O que a gente não compreende,
Passa o tempo a perguntar
E assim como é que eu vou
Poder me comunicar?
É bastante abrir-se a boca
O “inglês” fala no centro,
Nessa Torre de Babel
Eu morro e não me concentro
Até parece que estamos
De Nova Iorque pra dentro!
Lá naquele fim de mundo
Esse negócio tem vez
Porque quem vive por lá
O jeito é falar inglês,
Mas, se estamos no Brasil
Tem que falar Português!
Por que complicar a guerra
Em vez de se esclarecer?
E se “folder” é um folheto
Por que assim não dizer?
Pois quem me pedir um “folder”
Eu vou mandar se folder.
Roteiro é “story board”
Nesse vaivém estrangeiro,
Parece até palavrão
Que se evita o tempo inteiro
Porque seus filhos das putas,
A gente não diz roteiro?
Estão todos precisando
Dos cuidados do Pinel
Será feia a nossa língua?
É chato nosso papel?
Por que esse tal de “out door”
Substituir painel?
É desrespeito à memória
De Camões que foi purista
Esse massacre ao vernáculo
Não aguenta o repentista
Pois chamam “lay out-man”
O homem que é desenhista!
Matuto da Paraíba,
Aqui juro que não fico,
Onde até se tem vergonha
De um idioma tão rico
Por que chamar de “free-lancer”
Um sujeito que faz bico?
Publicidade de rádio
Apelidaram de “spot”
E tem outras besteiradas
Que não cabem num pacote.
Acho que acabou o tempo
De acabar esse fricote!
Por exemplo: “body type”
“Midia”, ”top”, “merchandising”,
“Checking list”, “past up”
(Que se diga de passagem)
“Briffing”, “Top”, “Marketing”,
Tudo isso é viadagem!
Já é hora de parar
com esse festival grosso
Para que o nosso idioma
Saia do fundo do poço.
Pra isso eu faço esse “raff”,
Isto é, perdão, esboço!
Há, no Instituto Lourival Batista, em São José do Egito (PE), uma parede com a poesia de Orlando Tejo sobre os geniais Pinto do Monteiro e Lourival (Louro do Pajeú):
‘Grande saudade hoje sinto
das cantorias-tesouro
do gigante que foi Pinto,
do uirapuru que foi Louro.
Era uma graça, um estouro
ouvir em qualquer recinto
os trocadilhos de Louro
os desconcertos de Pinto.
Tal qual no Bar do Faminto,
do Pátio do Matadouro,
quando Louro aceitou Pinto
e Pinto abençoou Louro.
Mas no Bar Rosa de Ouro
houve um encontro distinto
Pinto elogiando Louro,
Louro chaleirando Pinto.
Jamais ficará extinto
o meu prazer de ouvir Louro
querendo derrubar Pinto,
Pinto brincando com Louro.
No Bar Casaca-de-Couro
vi o maior labirinto:
Pinto depenando Louro
e Louro esganando Pinto.
No Mercado, em Rio Tinto,
Um momento imorredouro
co’as emboscadas de Pinto
E as escapadas de Louro.
No Beco do Bebedouro
Um desafio ao instinto:
Pinto superava Louro,
Louro desmontava Pinto.
No bar de Moisés Aminto
(À Curva do Varadouro)
Louro acompanhava Pinto,
Pinto fugia de Louro.
Assisti, no Bar Jacinto,
Luta de cristão e mouro
Quando Louro açoitou Pinto,
E Pinto escanteou Louro.
O sol no seu nascedouro
E haja mel e absinto
Nas divagações de Louro,
Nos ultimatos de Pinto.
Num diálogo suscinto
Reverberavam em coro
Iluminuras de Pinto,
Clarividências de Louro.
Essa dupla, sem desdouro,
Reinou do primeiro ao quinto:
Pinto maior do que Louro,
Louro maior do que Pinto.
Duas fivelas num cinto,
Batéis sem ancoradouro,
Assim foram Louro e Pinto,
Assim serão Pinto e Louro.
Penso, reflito, pressinto
Que em todo o tempo vindouro
Ninguém vai superar Pinto,
Nenhum fará sombra a Louro.
Pois não há praga ou agouro
Que manche a paz do recinto
Das glórias que envolvem Louro,
Dos louros que adornam Pinto.
Aqui faço paradouro
(Ir além me não consinto),
Rendido ao gênio que é Louro,
Curvado ao estro de Pinto.’
Mais uma preciosidade de Orlando Tejo, nos é apresentada por seu colega, e contemporâneo, Luiz Berto. Na narrativa, Tejo recorrera ao amigo para um empréstimo. Berto sugere falarem com o colega Canindé que trataria com o agiota. Conquanto as tratativas demorassem, Tejo, impaciente, redige a primeira parte do discurso, para refazê-lo, em alto estilo, após o sucesso da operação creditícia. Ei-los:
LOUVAÇÃO A CANINDÉ
Estando sem um tostão
E me encontrando bem perto,
Fui procurar Luiz Berto
Para alguma solução.
Berto disse: “Meu irmão,
Eu também queria até
Fazer um querrequequé
Daquele que o diabo pinta
Para ver se arranco trinta
Do bolso de Canindé.”
E toca a telefonar
E Canindé a correr,
Mas não pôde se esconder
E teve que tapear:
“Pela manhã não vai dar,
Porque de tarde é que é
Bom para a coisa dar pé.
Aguarde, portanto, amigo”.
Berto ficou de castigo
Esperando Canindé.
E eu que necessitava
Também da mesma quantia
Me fiei nessa franquia
Que Canindé propalava
Quando eu menos esperava
O safado, de má fé,
Filho de puta ralé,
Disse que hoje não tem nada
Ah! Uma foice amolada
No chifre de Canindé.
Eu já podia notar
E mudar de interesse
Que um cabra com um nome desse
Não poderia prestar.
Vou, entretanto, esperar
Até amanhã com fé.
Se ele me deixar a pé,
Juro por Nossa Senhora
Corto de pau uma tora
E vou matar Canindé.
O cabra fuma e não traga
Faz do crime o seu idílio
Onde está Flávio Marcílio
Que não demite esta praga?
Ao menos dava-se a vaga
Pra um sujeito de fé,
Já que esse indivíduo é
Um tratante e delinqüente
Haja chumbo grosso e quente
No rabo de Canindé.
Por capricho do destino
De Satanás ou Deus Brama,
O bicho também se chama
Coisa e tal e Tolentino,
Doido, avarento e mofino,
Não conhece a Santa Sé,
Faz da cola o seu rapé,
Vive da desgraça alheia,
Devia estar na cadeia
Esse tal de Canindé.
Não sei como Luiz Berto
Este escritor inspirado,
Toma dinheiro emprestado
A um ladrão tão esperto,
Que representa um deserto
De trabalho, amor e fé,
Que anda de marcha ré
Pela estrada da virtude
E além de covarde e rude
Se assina por Canindé.
Antes quero outro “pacote”
Desemprego, moratória,
Ver Delfim contar história,
Comer carne de caçote,
Levar chumbo no cangote,
Me abraçar com jacaré,
Beber caldo de chulé,
Dar o rabo a marinheiro,
Do que tomar um cruzeiro
Emprestado a Canindé.
NOSSO AMIGO CANINDÉ
(Depois do empréstimo)
Um sujeito despeitado,
Desses de baixa maré,
Inventou que Canindé
É um canalha safado.
Eu fiquei preocupado
Com a informação ralé,
Porém não perdi a fé
Em quem merece louvores
Haja palmas e haja flores
Na fronte de Canindé.
Tenho dito e sustentado
(Todo mundo sabe disso)
Que na Câmara, esse cortiço,
Há um cidadão honrado,
Pai de família extremado,
Homem de bem e de fé!
O Papa já disse até
Que há no torrão brasileiro
Padre Cícero em Juazeiro
E em Brasília, Canindé.
Sei que o Papa tem razão,
Mas ninguém quer saber disto.
Se já falaram de Cristo,
Que se dirá de um cristão
Porém a fofoca não
Atinge um homem de fé.
E se eu descobrir quem é,
Meto a mão no pé do ouvido
Do sem-vergonha enxerido
Que falar de Canindé.
Canindé - nome decente!
Tolentino - ô nome macho!
Ribeiro - lindo riacho
Que mata a sede da gente!
Honrado, amigo e valente,
Subiu da glória o sopé…
A Virgem de Nazaré
Já lhe envolveu com seu manto,
Por isso um caminho santo
Vai trilhando Canindé.
Canindé pra ser beato
Só falta mesmo a batina,
Pois tem vocação divina
Pureza, fé e recato!
Por isso ele é o retrato
Mais fiel de São José
E já se comenta até
Que Frei Damião Bozano
Sugeriu ao Vaticano
Canonizar Canindé.
Mas sabem por que razão
Já querem canonizá-lo?
É por causa de um estalo
Que recebeu nosso irmão
Lá nas margens do Jordão,
Ao lado de São Tomé,
Quando dava cafuné
Numa velhinha doente
E morreu a penitente
Nos braços de Canindé.
Nesse chão onde ele pisa,
Por ser grande patriota,
Se faz até de agiota
Pra ajudar a quem precisa.
Mas não comercializa
A sua alma de fé!
Jamais ganhou um café
Pelo dinheiro que empresta
A caridade é uma festa
Pra alma de Canindé.
Santo Agostinho, dos santos
Foi o mais puro entre os ermos
Que consolava os enfermos
E lhes enxugava os prantos.
Obrava milagres tantos,
Pela pureza e a fé
Pois acreditava até
Em fala de passarinho.
Mas sabem Santo Agostinho?
É pinto pra Canindé
Eis aí Zé Orlando Limeira Tejo, tudo junto e misturado, imbricados, amalgamados na alma poética do nordestino. Sobre eles, José Américo de Almeida previu: “o poeta Orlando Tejo expõe uma matéria nova para ser analisada pela crítica moderna”.
Importa muito pouco, saber o que é real e o que é ficção, Tejo é o nosso Homero, o homem que deu vida ao improviso do repentista, que registrou a oralidade do sobrevivente deste sertão surreal. Sertão que faz sofrer e sorrir! O poeta popular, que vai orlando tejos imaginários e infindos sertão adentro!
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