Outra Noite
Depois de certa hora a cidade adormecia, o movimento abrandava primeiro e quase parava depois. Podia andar pelo meio da rua, escutar o som dos sapatos nas pedras da calçada, assobiar para apagar a decepção. As noites eram sempre parecidas, mas as casas mostravam-se diferentes. Umas vezes acendia-se uma luz, outras alguém do quinto andar jogava a beata que riscava o escuro antes de cair. Faltava um último reduto para a procura se completar. A música era agora mole, arrastada, o fumo enchia o espaço e dois casais ainda se amparavam na pista. Não, ali também nada havia para si. Ficou na porta de copo na mão a sentir o fresco da madrugada. Depois o vocalista parou de cantar, só havia a servir o homem do balcão, baixaram as luzes e alguém contava as notas do apuro do dia. Quando por fim saíram todos, despediu-se com um aceno e voltou a pé para casa. Deitou-se vestido sobre a colcha de algodão, não lavou a boca, deixou que o sono o forçasse a babar a almofada. Acordou com o barulho lá de fora e sentiu a boca amarga. Naquele dia queria dormir e esquecer tudo mas era sexta-feira e a mulher da limpeza estava à porta e batia.