O Ideal
Muitas vezes o ideal é algo que se afasta da realidade à medida que nos tornamos mais aptos a intervir. – Vim para medicina para ajudar o próximo, mas nunca pensei no sangue e no pus, nas dores, nos gritos, na morte que, tantas vezes, é o corolário desejado. - Desististe? Não, ela não desistira. Mudar de ideal nem sempre é desistir mas é, seguramente, deixar que se invada de coisas estranhas, modos de ver e de agir, de mudanças por vezes tão fortes que muitos acabam amargos na profissão que foi escolhida por ideal. A repetição mata a vida, disse quem sabia. E eram os dias iguais com os mesmos hábitos, os mesmos passos, o automatismo. Quem repete tudo acaba por decorar os ritos, por fazer sem dar por isso, por se alhear dos temas de que se ocupa. Hoje, poderia ser um dia novo. Talvez me troquem de máquina, talvez alguém me faça prestar uma nova atenção ao trabalho, quem sabe se serei a mola de uma imperiosa mudança? E a esperança é um pequeno ponto de luz que pode nascer, crescer, assumir o primeiro plano. No fim, contas feitas, decidimos pela diferença. Não, não vou, estou doente. Uma doença que aponta para a saúde que quero ter, simples, lisa, coerente. Despeço-me se for preciso, paro, desisto de sofrer. O dia fica mais claro, o riso volta, os olhos brilham. Trabalhar deverá ser uma alegria, uma realização, um recomeço. E procuro até encontrar por ter a certeza de que há trabalho para quem deseja não morrer cada dia.